POLÍCIAS ANÓNIMOS
Esta coisa da internet, diria o amigo banana, é formidável. Por muitas razões, diria o mesmo abananado patarata.
Feitas estas doutas considerações, o IRRITADO, talvez por razões ou valores já fora de moda, tem o topete de se irritar com o omnipresente anonimato que faz o seu glorioso caminho nestas ciberparagens.
O meu pai costumava dizer que “anónimas só as esmolas”. Queria significar que só é legítimo que uma pessoa se esconda para evitar que alguém lhe fique a dever um favor, ou para que não a acusem de andar a exibir os seus brilhantes feitos. Para além disso, anónimos eram os bufos, os pides, as alcoviteiras e outras gentes de semelhante jaez.
A “moral” republicana ou – não sejamos maus! – a internet deu cabo deste tipo de valores. Na net, o pessoal pode insultar à vontade, pode denunciar o que lhe apetecer, verdade ou mentira, pode fazer as mais extraordinárias afirmações, perseguições e intrigas, pode incensar a pedofilia e a prostituição, virtualmente pode dizer tudo e o seu contrário a coberto do anonimato.
(Em abono da verdade, diga-se que também há a posição oposta, isto é, milhões de pessoas que põem na net coisas que, antigamente, faziam parte da privadíssima esfera de cada um. Tudo com fotografias, nomes, “amigos”, etc., quer dizer, para muita gente os feitos mais comezinhos deixaram de fazer parte de uma esfera a cada um reservada para passar a ser motivo de pessoal propaganda, esta por definição avessa ao anonimato.)
Mas isto foi um parêntesis.
A reflexão vem a propósito de uma auto-laudatória local de hoje, no jornal privado chamado “Público”. O dito medium gaba-se de ter dado uma machadada no anonimato dos comentários que usa publicar no seu site. Quem quiser mandar as suas bocas poderá fazê-lo, mas tem que se identificar. O IRRITADO não faz a mais pequena ideia do que seja tal identificação, mas demos de barato que se trata de coisa séria.
Muito bem. Desiludam-se os bufos, os pides, as alcoviteiras e as gentes do mesmo jaez.
Verdade?
Não. Mentira. É que o jornal em causa guarda os últimos parágrafos para informar que quem quiser fazer denúncias ou outras coisas tão nobres quanto elas, poderá sempre fazê-lo anonimamente.
Bastará ligar para a redacção e dizer de sua justiça. Mais ou menos assim:
- Está? É da redacção do “Público”?
- Exactamente. Faça o favor de dizer.
- Posso falar com o funcionário que trata das denúncias anónimas?
- Com certeza. Só um momento.
Trrim, trrim.
- Jeremias Picolete. Boa tarde. Faz favor de dizer.
- Olhe, é para comunicar que a prima da porteira do ministro da guerra, viu o dito com uma grandessíssima piela a fazer xixi à porta do Trombinhas às seis da manhã.
- Interessante. Tem fotografias?
- Não. Mas há mais quem tenha visto.
- Está bem, vamos investigar. Muito obrigado pela sua comunicação. Boa tarde.
Pode imaginar-se o que se segue. Após investigações dos profissionais do “Publico”, veio a provar-se que um segurança do Trombinhas assistiu à mijinha, libertada em catadupas na via pública por um tipo que foi identificado como ministro da guerra através de uma fotografia do mesmo, levada pelo jornalista que o entrevistou no local do crime. Livres somos de imaginar a continuação da história. Não será difícil.
A notícia provocou a presente irritação. Mas há pior. O ministério público, as polícias, outras autoridades, também adoram denúncias anónimas e, oficialmente, agem em conformidade com elas.
O tempora, o mores!
14.8.13
António Borges de Carvalho