VERDADES E MENTIRAS
Anda por aí, a causar uma celeuma dos diabos, um relatório interno escrito pelos representantes da UE em Lisboa, que tece judiciosas considerações sobre o que acontecerá se o Tribunal Constitucional der com os pés no orçamento.
Não se sabe como a coisa veio parar aos jornais, mas, tratando-se da costumeira “transparência” à portuguesa, adiante.
Diz o referido relatório, repita-se, interno, mais ou menos o que segue:
a) Provavelmente, o PR vai tomar a iniciativa de mandar o orçamento ao TC, para fiscalização sucessiva;
b) O governo quer cumprir os compromissos do país com a troica, mas, se houver chumbo, a margem de manobra, depois dos vários chumbos do TC, está super reduzida;
c) O TC tem feito uma interpretação rígida da Constituição;
d) O TC age como um “legislador negativo” e interfere na política fiscal do governo;
e) Estará o TC, por motivos políticos, a minar o sucesso do programa de ajustamento?
f) Há quem diga que os juízes do TC chumbam as medidas que põem em causa os seus interesses;
g) A imparcialidade do TC sempre levantou dúvidas;
h) O activismo político do TC pode ter graves consequências para o país;
i) Se houver chumbo, o mais provável é um segundo resgate;
j) Os sacrifícios da população começam a mostrar resultados “encorajadores”;
k) Um segundo resgate teria graves consequências para a população, e arriscar-se-ia o colapso do governo.
Todas, mas todas as informações enviadas pelos burocratas da UE à Comissão são rigorosissimamente verdadeiras, como qualquer pessoa não completamente estúpida e não cegamente partidária pode entender, sem lugar a dúvidas.
Perante este conjunto de verdades, que os funcionários tinham a mais rigorosa obrigação de fazer seguir para os seus patrões (certamente não contavam com a tal transparência à portuguesa), o que aconteceu?
Os partidos comunistas reagiram como era de esperar – estavam a meter-se com os seus santos padroeiros da catedral da Rua do Século! O que dizem não interessa a ninguém no seu perfeito juízo.
Os comentadores, por exemplo essa senhora a quem, desgraça “pública”, o senhor Belmiro entregou a direcção do jornal, são quase unânimes, a ver qual dá um ar mais esquerdista e mais “patriótico”. É a “honra” de Portugal que está em causa! É a Pátria que geme nas mãos do horrendo Barroso! É uma ingerência ilegítima na nossa democracia e na nossa independência! Etc. e tal.
O PS, via indignadas declarações do oco, diz que “a Comissão faltou-nos ao respeito”. Ou seja, o relatório interno de uns funcionários passou a opinião final e oficial da Comissão! Coisa “da maior gravidade”, diz o fulano. “A Comissão deve explicações a Portugal e, se não as deu, o governo e o PR devem exigi-las”. “Já deviam ter vindo a público repudiar o conteúdo do relatório”. Etc. e tal.
Em qualquer organização, o PS incluído, há relatórios internos destinados a informar os decisores. Quem elabora relatórios internos é, obviamente, responsável perante tais decisores e não tem nada a ver com o público em geral.
Mas, convindo para malhar no governo e no Presidente, vamos a isto! Nem que seja preciso aldrabar, transformando um relatório interno, ainda por cima feito de verdades duras como rochas, numa posição definitiva daqueles a quem tal relatório se destina, ou destinava, antes de cair nas mãos da “transparência”!
É nisto que vivemos. O patriotismo desta gente – eventualmente inspirado no dos díscolos políticos da I República e nos ensinamentos do GOL – reduz-se a malhar, sem critério, sem verdade e sem escrúpulos, em quem se quer derrubar, mesmo que isso derrube, simultaneamente, os mais evidentes interesses do país.
As posições do oco, de há muitos meses para cá, são objectivamente baseados em premissas mentirosas, em promessas demagógicas e em aldrabices descaradas. Pura pornografia política, para dizer o menos.
20.10.13
António Borges de Carvalho