UMA DESESPERADA ESPERANÇA
Há hoje dois partidos em Portugal: o Partido do Tribunal Constitucional (PTC) e o Partido do Mínimo de Bom Senso (PMBS).
O PTC, queixando-se do PMBS, transformou o relatório dos burocratas da UE, que só dizia verdades, em posição final do senhor Barroso e seus sequazes. Usa-o como arma de arremesso de eleição contra o governo, a maioria, a troica, o PR e todos os que têm alguma noção da realidade.
Esse luminar “independente” da nossa esquerda que dá pelo nome de Rui Tavares, vem hoje usar a letra dos tratados para declarar a absoluta e soberana legitimidade do TC para chumbar tudo e mais alguma coisa. É sempre possível, para um jurista experimentado, “sacar” de um texto tudo e o seu contrário. De um tipo que se diz “historiador e eurodeputado” esperar-se-ia mais escrúpulo de historiador e menos paleio de deputado, ainda por cima engagé com a esquerda folclórica europeia depois de ter sido corrido (sem largar o tacho...) pelo camarada Louçã.
O socialista “moderado”, de seu nome Correia de Campos, vai pelo mesmo caminho. Para ele, o TC goza de “conhecida e respeitada independência”. Fica tudo dito, não é?
A Constituição de 1976 coloca muitos problemas, o maior dos quais é a sua natureza híbrida. Por um lado, obriga-nos a caminhar para uma sociedade socialista. Por outro, consagra os princípios gerais de uma democracia. Como se fossem coisas compatíveis!
Houve socialistas que, nos dourados cinquenta anos do pós-guerra, compreenderam esta evidente verdade. Daí, terem conseguido compaginar algumas ideias socialistas com a democracia propriamente dita, aliás acompanhados pelos democratas cristãos. Como é sabido, a democracia cristã morreu de velhice e a social-democracia vê, tristemente, aproximar-se o seu ocaso. E como, de forma pouco inteligente, não tem “capacidade ideológica” para se reformar, nem tem líderes à altura dos tempos, acaba por fazer nascer monstros populistas, extremismos de direita e outras indesejáveis tendências político-sociais.
A Constituição de 76 dá para tudo, sem prejuízo do ideologismo que, desgraçadamente, a informa. A mais estrita obrigação dos tribunais constitucionais é compaginar as normas que quer aplicar com as circunstâncias em que são aplicadas. Por isso, o nosso, pode, e deveria, pegar na Constituição e confrontá-la com a situação do país. Se assim fizesse, prestaria um alto serviço. Insistindo em considerar só um lado da Constituição, talvez preste um serviço ao PTC, mas não o prestará a quem deve.
Estamos na situação de náufragos da terrível tempestade em que o Adamastor do socratismo nos meteu, só nos restando optar pela esperança de alguma melhoria “meteorológica” que nos dê tempo para passar a tormenta ou, simplesmente, sermos atirados aos rochedos sem via de salvação.
Não colhe atirar culpas ao governo. Ele próprio reconhece que poderia ter começado de outra maneira, e que essa outra maneira talvez não trouxesse os gravames em que estamos metidos. Se a minha avó tivesse rodas...
A culpa será da troica e de quem com ela concordou? Sem dúvida, mas a troica ainda não percebeu nem se sabe se algum dia perceberá.
É de uma evidência cristalina que um chumbo do TC, enchendo de júblio o seu partido, nos atiraria para um segundo resgate, e que um segundo resgate traria austeridade ao cubo, se não trouxesse coisas piores.
Por isso, no momento, se houvesse algum sentido patriótico em quem opina e julga, a ideologia ficaria em banho-maria, mesmo a ilegitimamente ínsita na Constitução, e ficar-nos-íamos pelo pragmático reconhecimento da realidade.
Já se sabe que, para os membros do PTC, o evitar do pior a médio prazo passa por aceitar o mal a prazo curto. Mas os membros do PTC são inflexíveis: para uns, destruir tudo o que não for o socialismo puro e duro é nobre missão, sendo a democracia um pormenor, uma coisa que se defende para idiota ouvir; para outros, o único objectivo é conseguir chegar ao poder, mesmo que para isso seja preciso dar cabo do que resta.
Uma esperança desesperada faz o IRRITADO pensar que talvez o TC, desta vez, tenha em conta que os mais importantes interesses do país não devem ser espesinhados pela defesa da ideologia.
21.10.13
António Borges de Carvalho