QUINTA COLUNA
Há coisas que, por mais que se diga e escreva, não entram na cabeça de muita gente.
Entre elas:
- O indesmentível facto de os salários e as prestações sociais serem, de sua conta, cerca de 80% das despesas do Estado;
- O indesmentível facto de a segurança social, tal como existe, ter os dias contados;
- O indesmentível facto de a CGA receber do Estado quatro mil e quinhentos milhões de euros por ano;
- O indesmentível facto de não ser, simplesmente, possível, aguentar este estado de coisas.
Não me venham com a peregrina história, tipo BE, PCP, PS e Cª, que, tristemente, há quem engula: se tirássemos aos ricos, aos bancos, etc., resolviam-se os nossos problemas. Façam as contas: somem todos os milhares de milhões que se diz que essa gente tem, converta-se em cash aquilo tudo (que em cash não existe), junte-se o taco que está nas offshores e... pague-se um mês de salários e prestações sociais. Entretanto, ficou a economia sem cabeça, entregou-se a gestão a “gestores” públicos e... mesmo fazendo a coisa à maneira gonçalvista, isto é, sem indemnizações, não se resolvia nada de especial e criava-se um problema dos diabos. O “rico” passava a ser o Estado, mas por pouquíssimo tempo.
Outra história, essa, nalguns casos, com pés e cabeça, é a crítica ao “sistema” que os credores arranjaram, e que nós, na bancarrota, aceitámos, bem como a da teimosia suicida dos poderes europeus em não querer perceber que o tal “sistema” está demasiado longe da perfeição ou da eficácia.
O problema não são os partidos comunistas e as hostes folclóricas da esquerda radical. Esses fazem o que sempre fizeram: dominam sindicatos, organizam greves, manifestações e arruaças, instigam desordens várias, arregimentam descontentes, treinam especialistas nestas matérias, fingem soluções, etc. Mas, na hora da verdade, ficarão, como sempre, reduzidos à sua relativa insignificância eleitoral.
O problema não é a brigada do reumático mental, que se resume a ridículas cerimónias tipo aula magna.
O problema nem sequer é os media, como sempre maioritariamente dominados por jornalistas, ou ignorantes, ou incapazes, ou oportunistas, ou assalariados políticos, e por “intelectuais” de natureza análoga. Grande parte das pessoas, por absurdo que pareça, sabem dar o devido desconto à “informação”.
O problema é que, por cá, tudo se vê em termos de confronto político, sem cuidar de saber das consequências. O que interessa é dar cabo do governo, assacar-lhe as culpas de não “fazer frente” à Europa, aos credores, à Frau Merkel, enfim, coisas que o PS, na ânsia de voltar ao poder, sabe. Mas actua com se ignorasse, custe o que custar e pague quem pagar.
O problema é o PS.
Chefiado por um desgraçado mental, politicamente cobarde, cuja ginástica interna se sobrepõe a tudo o resto, o PS prefere capitalizar o descontentamento, cavalgar os serviços que a esquerda radical, ou caviar, ou folclórica, lhe presta, recusar a assumpção de qualquer resquício de responsabilidade, passada, actual ou futura. A “estratégia” é a do regresso ao poder de qualquer maneira, mesmo que tal prejudique mais as pessoas que os adversários políticos. Os tipos da troica – o mal não está neles,mas em quem neles manda – ficam abismados com o comportamento do PS. Não compreendem que não tenha outro objectivo que não seja a conquista do poder, mesmo que para tal seja preciso ignorar os interesses de um país inteiro, agravar-lhe os sacrifícios, enterrá-lo hoje ainda mais que o enterrou no passado.
Pior que o PS é o novo e poderosíssimo partido em que a esquerda e o PR transformaram o Tribunal Constitucional. E é a forma como, gozosamente, o dito Tribunal aceitou a nobre tarefa de que foi incumbido.
Como diz quem sabe, não há, na história constitucional das democracias europeias, memória de um TC que faça, em exclusivo, política de oposição ao governo eleito. Não há TC algum que se atreva a ignorar totalmente a circunstância, para se ater, em exclusivo, a uma “substância” constitucional explicitamente inexistente. Não há outro que tenha a “coragem” de dizer que não ao mesmo tempo que diz sim, desde que nas suas “condições”. No caso vertente, o corte das pensões, nas palavras da organização, até é constitucional, mas o corte que o governo queria fazer não o é. Não se sabe em que norma, ou “princípio”, real ou inventado, se filia a exigência de uma “reforma estrutural...”, mas tem-se a certeza que não compete ao TC exigir seja que reforma for. Aliás, como é possível chumbar a lei se, ao mesmo tempo, se diz que “o valor das pensões pode ser reduzido”, que “o legislador pode alterar o montante das pensões, que está dependente das disponibilidades financeiras do Estado” e que se “justifica uma reforma estrutural que vise a sustentabilidade financeira do sistema previdencial”?
Como é possível? A explicação é simples: o TC há muito deixou de ser um órgão judicial. Tornou-se num instrumento da oposição ao governo, ou no mais poderoso dos partidos da oposição.
O mal não está em haver um Tribunal Constitucional.
Está nesta nossa estranha originalidade de ele se ter transformado, pela negativa, em poder legislativo, uma espécie de quinta coluna da oposição!
Está em termos um PR que, sem perceber que, faça o que fizer, será sempre odiado pela esquerda e acusado de ser amigo do governo (com amigos destes, antes os inimigos), convencido que a faz mudar de opinião ao mesmo tempo que dá largas ao “legítimo” desejo de salvar a sua pensãozinha, se presta a estas manobras.
Está em que temos uma oposição que, vencida nas urnas, usa este tipo de instrumentos para suprir os seus handicaps políticos e o seu vazio mental.
27.12.13
António Borges de Carvalho