IRREFORMÁVEL!
Desde velhíssimos tempos, há, nos governos desta terra, um ilustre membro encarregado de uma coisa a que se deu o nome de “reforma administrativa”.
Pouco se tem reformado, isto é, as mudanças que tem havido são mais as que a evolução dos tempos e das tecnologias têm imposto do que as que se poderia classificar como fazendo parte daquilo a que, hoje, se dá o nome de reforma do Estado.
Praticamente tudo o que poderia fazer jus a tal nome é objecto de feroz resistência de toda a gente: sindicatos, ordens, parceiros sociais, partidos de oposição, corporações profissionais, técnicos disto e daquilo. A sociedade, parece que no seu todo, é avessa a mudar seja o que for. Por exemplo, no tempo dos governos do senhor Pinto de Sousa, justiça lhe seja feita para o bem como para o mal, aliviou-se uma série de procedimentos que infernizavam a vida das pessoas com papéis, repartições, perdas de tempo e de paciência, conflitos burocráticos, etc. Mas manteve-se tudo o resto. É verdade que foi tornado possível tratar inúmeros assuntos sem sair de casa, por via electrónica. Mas as diligências, as autorizações, as entidades fiscalizadoras, a via diabólica manteve-se igualzinha ao que era, ou pior. Melhorou-se, por exemplo, o calvário da comunicação entre as repartições públicas, deixou, em muitos casos, de ser preciso andar de balcão em balcão para dar conhecimento a uma do que outra tinha feito. Mas manteve-se a inumerável parafernália de diligências para tudo e para nada, bastando que, algures, um funcionário, ou mal disposto ou a achar-se zeloso, ponha um grão de areia qualquer que tudo faça parar. Isto, apesar de todos os simplexes, simplis, etc.
Alterou-se o adjectivo para melhor. Mas o substantivo manteve-se, quando não piorou. Em resumo, reforma alguma foi feita.
Actualmente, à mais pequena modificação estrutural que se tente, cai-lhe a sociedade em cima com protestos, greves, “estudos”, queixinhas e queixetas, um sem número de resistências a tudo, bom ou mau, que mude seja o que for. Criou-se, e abusa-se ad nauseam da “providência cautelar” – o juiz A resove que é branco, o juiz B resolve que é preto, ninguém se entende - abusa-se da Constituição, que serve para tudo e mais alguma coisa, desde que boicote, atrase, impeça, desautorize, politize, nisto colaborando entidades supostamente respeitáveis como o Presidente da República e outros órgãos de soberania ou parte deles, no fundo tudo minha gente “resistindo” ferozmente seja a que reforma for.
Vem este arrazoado a propósito da presente greve do lixo em Lisboa. Durante décadas, a fusão de freguesias da cidade foi objectivo de várias maiorias e minorias municipais. Nunca se conseguiu levar a facto uma reforma que, de tão evidentemente lógica e necessária, se metia pelos olhos dentro. Finalmente, o camarada Costa, com o auxílio do governo e do parlamento, conseguiu levar a efeito tal objectivo. Tire-se-lhe o chapéu.
Alargado o território das freguesias, impõe-se, como é óbvio, que lhes sejam atribuídas mais competências, mais verbas próprias, maior capacidadde de conhecer os problemas de cada uma e de estar mais próximo do que há a fazer.
O município, como é natural e parece necessário, resolveu “freguesizar” a limpeza urbana. Conseguiu um plano em que não consta qualquer mexida nos chamados direitos dos trabalhadores. Veja-se o resultado: 15 dias de greve. 15 dias da mais estúpida e criminosa ignorância dos direitos de quem tal gente serve ou devia servir e que, já agora, é quem lhes paga o salário.
Se alguma utilidade esta greve tem, será a de fazer o eventual futuro líder do PS – como, aliás, o actual – perceber que o “movimento sindical”, leia-se as forças da destruição e da incivilidade, continuará a sua “missão”, seja com que governo for, desde que goze de liberdade para tal.
O que leva a pensar que a solução do problema só tem duas vias. Ou se entra num regime de “socialismo real”, de esquerda ou de direita, onde certos direitos simplesmente deixam de o ser, ou a democracia tem que assumir que, para sobreviver, tem que dar ao exercício de certos direitos de uns os limites que democraticamente lhes são próprios: os direitos dos outros.
Fica o recado, neste fim de ano, para este parlamento, este governo, este Presidente, bem como para os que se lhes seguirem.
31.12.13
António Borges de Carvalho