AGUENTEM-SE, OU DA GENIALIDADE DO SENHOR PINTO DE SOUSA
Visitei, em Cascais, uma propriedade magnífica, uma coisa de sonho. Embora esteja à venda, não a comprei. Sabem porquê? Pela mais comezinha das razões. Não tenho dinheiro, nem hipótese de o arranjar em tamanha quantidade. Uma chatice.
No entanto, uma esperança acabou por me ser dada. Trata-se dos meus tetranetos. E se forem eles a pagar?
A solução dos problemas, às vezes, está debaixo do nosso nariz. Não a vemos, ou por incompetência ou por estupidez.
Ao contrário do Irritado, porém, o senhor Pinto de Sousa (auto-dito Sócrates) é competente e inteligente. De borla, calcule-se, veio pôr a solução em frente dos meus olhos.
Se eu quiser a tal propriedade mais não tenho que fazer que comprá-la a noventa anos, exactamente como o senhor Pinto de Sousa (auto-dito Sócrates) vai fazer com estradas, pontes e coisas do género. Não é genial?
Expuz o assunto à família. Vozes houve que se opuseram. Que não era justo sobrecarregar os vindouros com responsabilidades tão pesadas. Que as pobres criancinhas – os meus bisnetos, trinetos e tetranetos - iam abrir os olhos ao mundo já crivadas de dívidas. E etc., blá blá blá.
Fiquei hesitante. Mas, mais uma vez, ó felicidade!, o senhor Pinto de Sousa (auto-dito Sócrates) veio em meu auxílio. Trata-se, explicou-me, do princípio do utilizador/pagador. As estradas e as pontes, disse-me com doçura, virão a ser utilizadas pelas gerações vindouras. Porque havemos de as pagar só nós? Justiça é que as paguem também.
Aplicada a coisa à propriedade de Cascais, uma luz cintilante - a luz da inteligência do senhor Pinto de Sousa (auto-dito Sócrates) – caíu sobre mim. Que bom!, exclamei. Tudo ficou claro na minha pobre mente. Eu compro a propriedade. Os meus bisnetos, trinetos e tetranetos, que nem sei quem são nem me são nada, pagam a coisa. Gozam-se dela, e acabarão, justamente, por agradecer ao bisavô, trisavô e tetravô a benesse que lhes deixou, sem sequer os conhecer. É genial, ou não?
Sem pretender, longe disso, ter a ilusão de que participo numa fímbria que seja da inteligência do senhor Pinto de Sousa (auto-dito Sócrates), atrevo-me a deixar uma humilde sugestão: porque não os pentanetos? Ou os hexanetos? Ou assim por diante? Afinal, a vida continua, as gentes continuarão a usar a proriedade de Cascais como continuarão a usar as estradas do senhor Pinto de Sousa (auto-dito Sócrates), não é verdade? Os meus sucessores, na propriedade de Cascais, agradecer-me-ão e louvar-me-ão pelas gerações fora. Os portugueses, pelos séculos dos séculos, olharão com admiração, carinho e louvor, a estátua do senhor Pinto de Sousa (auto-dito Sócrates) que perpetuará, gigantesca e altaneira, na colina do castelo de São Jorge (demolido para o efeito pelo senhor Costa), a admirável obra de tão ilustre Português.
Se quiserem melhor, têm que esperar por eleições.
Para já, aguentem-se
António Borges de Carvalho
NB. Para os menos avisados, ou mais conhecedores, esclarece-se que a ideia socrélfia não tem nada a ver, como há quem diga, com as figuras do leasing britânico.