UMA OPINIÃO ABALISADA
Com a devida vénia, o IRRITADO transcreve carta de um magistrado do MP acerca da prisão do camarada 44
Exmo Senhor Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público
No exercício pleno dos meus direitos de cidadania e após um olhar atento e reflexivo sobre os mais recentes acontecimentos que envolvem o funcionamento do nosso sistema judicial e político, tomei a liberdade de recorrer a V. Exa, na qualidade de representante da classe dos Magistrados do Ministério Público, no sentido de me esclarecer acerca de algumas questões que se prendem com a detenção para interrogatório do antigo Primeiro Ministro José Sócrates e sua posterior prisão preventiva.
1º- É admissível, do ponto de vista legal, que um cidadão colocado em prisão preventiva na sequência do interrogatório a que foi submetido em sede de Juízo de Instrução Criminal, após detenção, possa, a partir do interior da prisão, exercer o seu direito de defesa através de cartas, notas ou declarações enviadas regularmente à comunicação social. De acordo com a lei processual penal é esse o local, o tempo e o modo próprios para o exercício da sua defesa?
2º- Pode esse mesmo preso preventivo, nessas notas enviadas à comunicação social, repito, a partir do interior do estabelecimento prisional, fazer considerações, apreciações valorativas e juízos críticos da intervenção dos Magistrados que tutelam a investigação e instrução do processo. Recordo: " A minha detenção para interrogatório foi um abuso e o espectáculo em torno dela uma infâmia. "
" A prepotência atraiçoa o prepotente."
" O caso tem contornos políticos."
É que se tudo isto é possível sem que estejam postos em crise quaisquer princípios de direito penal ou processual penal, então parece-me legítimo admitir que o próximo passo seja a convocação de uma conferência de imprensa para o interior do estabelecimento prisional para um debate alargado com os Srs jornalistas para que, duma forma pública e sem limitações ou reservas, o cidadão José Sócrates possa partilhar com os portugueses a sua defesa no processo em que é indiciado.
3º- Presumo que os estabelecimentos prisionais possuem regras próprias com vista ao seu regular funcionamento e que essas regras se aplicam de forma igual a toda a população prisional, tanto no que diz respeito aos dias de visita como aos procedimentos que envolvem a vida do dia a dia no interior da prisão. Pergunto: Está ao alcance de qualquer presidiário receber visitas fora dos dias e dos horários regulamentados?
Qualquer preso pode fazer uso da cabine telefónica existente no interior da prisão para comunicar com o exterior?
4º- As declarações do cidadão Mário Soares, ouvidas por milhões de portugueses, à saída da prisão onde foi visitar José Sócrates num dia em que não eram permitidas visitas, nas quais, duma forma despudorada e violenta, coloca em causa não só a idoneidade e a independência dos Magistrados que presidem à instrução do processo, como a credibilidade e o normal funcionamento da Justiça , são insindicáveis, ou devemos concluir que o antigo mais alto Magistrado da Nação goza dum estatuto de privilégio perante a lei que lhe permite eximir-se ao cumprimento das normais regras dum Estado de Direito.
Sei que V. Exa, na qualidade de Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, reagiu, e bem, ao desconchavo dessas declarações, mas e consequências, não há? Pior que isso, não tenho conhecimento de mais qualquer outra reacção da parte da sociedade civil em geral e em particular das Instituições atingidas por essas declarações. Mais, o que vi foram pessoas com responsabilidades aos mais diversos níveis na comunidade de comentadores políticos avaliarem este episódio como sendo tudo normal e destituído de qualquer relevância, atendendo à pessoa em causa.
5º- Finalmente, e a propósito do tão estafado debate sobre as violações ao segredo de justiça, ocorre-me perguntar se as afirmações postas a circular nas redes sociais pela mulher do advogado de José Sócrates de que, no interrogatório judicial a que o cliente do seu marido foi submetido, nunca lhe foram colocadas perguntas que envolvessem factos relacionados com corrupção, poderão, ou não, ter consequências para o Dr João Araújo.
Certo de que a importância e a actualidade das questões supra referenciadas possam merecer de V.Exa a melhor atenção, subscrevo-me atenciosamente,
Francisco Lacerda Franco
18.12.14