Dona Constança
Dona Constança Cunha e Sá insurge-se, salvo erro no "Público", contra o apagamento político de Sua Excelência o Presidente da República. Na opinião da distinta senhora, o PR mais não faz que pescar popularidade em acções inconsequentes e sem nenhuma importância, em vez de tomar as necessárias medidas para, em consonância com a sua campamha eleitoral, fazer sair o país da miséria em que se encontra, transformar o Estado numa coisa mais credível, mais fiável, mais útil e menos pesada, etc. etc, blá blá blá.
Tem a dona Constança toda a razão. Só que o que está errado é fazer campanhas eleitorais com base no prometido exercício de poderes que se não tem, não é não os exercer, pelo simples facto de os não ter.
Expliquemo-nos: o PR não tem qualquer tipo, ou sombra, de poder executivo. Cabe-lhe nomear uns altos funcionários, por proposta do Governo - podendo, por isso, exercer esse poder pela negativa -, cabe-lhe presidir a umas coisas, como o Conselho de Estado ou o de Defesa Nacional - onde nem sequer tem voto de qualidade, e pouco mais. Cabe-lhe vetar umas coisas, quando entenda, mas nem sequer pode levar a sua até ao fim, caso o Parlamento lhe dê com os pés. Tem, é certo, o poder de dissolução, coisa que não se faz no dia a dia e que é legítimo pensar não dever ser usada sem grave crise parlamentar - neste aspecto o golpe de Estado constitucional do dr. Sampaio não deve, ou não devia, servir de precedente. Até do ponto de vista militar é preciso torcer por completo a Constituição para dar ao Comando Supremo das Forças Armadas outro conteudo que não o que, lapidar e claríssimamente, nela se encontra definido, quer dizer, limitado.
Se, em Portugal, houvesse um republicanismo mais inteligente, menos culturalmente obtuso, e menos "francês", o Presidente seria eleito no Parlamento, como acontece nas repúblicas modernas e civilizadas, sendo-lhe conferidas funções "reais", e não avatares de "poder" e mezinhas idiotas destinadas a "justificar" a eleição por sufrágio universal, a duplicação das legitimidades populares, a desresponsabilização dos governos, e por aí fora.
É certo que surgiram, em plena campannha eleitoral, alguns neo-presidencialistas, eventualmente inspirados em regimes sul-americanos ou no esgotadíssmo modelo da V República francesa. Possuídos de nóvel sanha cavaquista, estes senhores queriam que o seu (quantas vezes desde a véspera) grande líder, tivesse os poderes que, na sua errónea suspeição eleitoral, julgariam úteis. Facto, porém, é que não os tem.
Um "bom" Presidente, no respeito pela Constituição e para nosso bem, não pode deixar de ser um digno representante da República - nos termos constitucionais, não o é, nem da Nação, nem do Povo, nem dos Portiugueses, muito menos de todos eles - e pouco mais, ou mais nada. Se presidir com dignidade a uns desfiles, se der uns beijinhos às crianças, se for a umas inaugurações, se fizer uns discursos patriótico-culturais, se souber comer à mesa, se se ajeitar a fazer o nó da gravata, se falar inglês e francês, chega, e é preciso. Se se começar a meter o bedelho onde não é constitucionalmente chamado, então, pior que um peso morto, torna-se um trambolho do regime.
Dona Constança Cunha e Sá põe as coisas de pernas para o ar. O actual Presidente, se tem pecado, é por excesso, não por defeito.
António Borges de Carvalho