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irritado (blog de António Borges de Carvalho).

O SOCIALISMO É A FILOSOFIA DO FRACASSO, A CRENÇA NA IGNORÂNCIA, A PREGAÇÃO DA INVEJA. SEU DEFEITO INERENTE É A DISTRIBUIÇÃO IGUALITÁRIA DA MISÉRIA. Winston Churchill

irritado (blog de António Borges de Carvalho).

O SOCIALISMO É A FILOSOFIA DO FRACASSO, A CRENÇA NA IGNORÂNCIA, A PREGAÇÃO DA INVEJA. SEU DEFEITO INERENTE É A DISTRIBUIÇÃO IGUALITÁRIA DA MISÉRIA. Winston Churchill

Qualidade à portuguesa

Num jornal qualquer, vinha hoje, ou ontem, incluído um luxuoso pasquim intitulado "Qualidade".

Isto trás-me à memória um episódio sobre o qual nunca tinha pensado escrever.

 Aí vai:

Aqui há uns tempos, a distintíssima Câmara Municipal de Lisboa, para licenciar umas obrecas num T1, obrigou-me a requintes de projectos de especialidades e afins. Compreende-se, um T1 é obra! Entre aqueles, contava-se o projecto de instalações de gás, o qual, dada a inegável transcendência técnica da sua elaboração, tinha de ser aprovado por uma coisa que, salvo erro, se chama Instituto Português da Qualidade. Lá tive que contratar um engenheiro devidamente credenciado na matéria e, um mês depois do dictat camarário, fui (há testemuhas!), pletórico de entusiasmo, com o projecto debaixo do braço, ao tal instituto.

Fica o dito ali para Oeiras, num destes sítios recentemente urbanizados que não fazem parte do mapa de um velho lisboeta. Trata-se de uma construção de gosto duvidoso, pelas minhas contas para aí com uns 25 anos, sem manutenção exterior de nenhuma espécie. À entrada, um portão aberto e uma baiuca com um guarda.

- Alto aí, onde é que pensa que vai? - gritou o fulano.

- Vou ao Instituto Português de Qualidade! - gritei eu.

Os gritos justificam-se pelo facto de as pessoas, como é de norma, entrarem com os carros pelo lado direito, e a baiuca estar, muito inteligentemente, do lado esquerdo, a uns bons sete metros. Chovia que Deus a dava, e não me apetecia nada apanhar uma carga de água para ir à baiuca explicar a minha, humilde quão honesta, pretensão. Mas, que remédio, lá tive que ir explicar as coisas ao senhor guarda, o qual, como é óbvio, jamais sacrificaria a sua qualidade de vida deslocando-se até mim, inda por cima à chuva.

Conseguida a benesse da autorização para entrar, dei comigo, depois de arrumar a viatura no local indicado pelo guarda - não, esses são para o pessoal, as pessoas vão para ali!, tinha o homem decretado, indicando-me o melhor sítio para quem quisesse apanhar mais um bom duche, dei comigo, dizia, diante de uma porta de vidro, meia desengonçada, onde, sob o respectivo alpendre, se amontoavam caixotes e caixas de cartão em quantidades consideráveis.

Entrei num hall onde a floresta de caixotes continuava a dar-me as boas vindas. Sacudi as águas pluviais que escorriam pelo fatinho e dirigi-me ao elevador. Carreguei no botão. A porta abriu-se e, lá de dentro, saíu uma senhora que, com ar aterrorizado - parecia que tinha visto um bicho - me disse:

- Ai, o senhor não se meta nesta coisa! É um perigo!

E fugiu a sete pés pela escada acima.

Dando mostras de pouco comum bravura, entrei no elevador. Carregeui no botão. Gemendo nas corrediças, a porta fechou-se atrás de mim. O elevador, após uns sobressaltos mecânicos, arrancou. Vai daí, em vez de parar no terceiro andar, só o fez no quarto. Lá me enganei no botão, pensei, com a humildade que me caracteriza. Carreguei no botão que tinha um 3 escrito. Desta vez, o elevador protestou. Deu três pinotes, e aí vai ele por aí abaixo, até ao rés do chão. Diga-se em abono da qualidade da coisa que, para aí à quinta tentativa, acabou por me obececer, não sem mais protestos de serralharia.

Orgulhoso por ter, assim, dominado a rebelde máquina, entrei no terceiro andar com o precioso projecto debaixo do braço. Já não sei quem indicou-me a menina a que me devia dirigir. A pobre pequena não devia ser daquelas que têm lugares dos bons para o carro. Estava numa espécie de saguão, onde mal cabia uma secretária. Não tinha porta, nem um sítio para o respeitável público se sentar. Como não havia outros cidadãos para ser atendidos, concluí que a coisa ia ser rápida. No entanto, a menina estava ao telefone. Olhou-me com um desprezo de gelo, e continuou a conversa de serviço em que estava empenhada. Fiquei a saber a que boite tinha ido na véspera, bem como as tentativas de aproximação de diversos cavalheiros interessados - que levaram com os pés, claro, tás a ver, filha, não é, não queriam mais nada!

Facto é, há que confessá-lo, que a menina acabou por me atender. Lá deu entrada ao complicadídssimo projecto do gás. Vitória!

- Dentro de umas semanas recebe a resposta.

Agradeci penhorado e, felicíssimo por mais este triunfo a somar-se aos muitos da minha vida, retirei-me com toda a dignidade, desta vez pelas escadas.

Para cúmulo da felicidade, quando passei pelo guarda e lhe acenei com um sorriso, o tipo respondeu com o seu melhor esgar.

 

E assim, a revista "Qualidade", entregue com o jornal, foi direitinha para o caixote.

 

António Borges de Carvalho

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