JUSTA INDIGNAÇÃO
Acho muito bem que os polícias estejam chateados por lhes andarem a cortar as regalias sociais. Quem não estaria?
O problema é que são “agentes da autoridade”, isto é, representam o Estado. Ora, se representam o Estado e o Estado precisa de dinheiro, mais não têm que se submeter disciplinadamente e que, gostosa e solidariamente, contribuir para o chamado “bem comum”. Ou não?
Por que carga de água anda a malta toda a pagar e os polícias hão-de ficar de fora? Ainda não perceberam que vivemos num país socialista, que temos um governo socialista, e que, para o socialismo, os interesses do Estado sobrelevam aos dos cidadãos, isto é, se o Estado (confunda-se ele com a República ou com a Nação, a gosto) está à rasca, os cidadãos (mormente os polícias) têm que pagar? Ainda não perceberam que, para o socialismo, de esquerda ou de direita, se o Estado tem falta de massa, não lhe compete diminuir as despesas mas tão só aumentar as receitas, começando, ou devendo começar, como é lógico, por sacar aos seus próprios agentes? Que diabo, é assim tão difícil de perceber?
Se os senhores polícias não querem submeter-se aos ditames do socialismo, porque é que escolheram a profissão? Se fazem parte da máquina, por que raio hei-de ser eu, e não eles, a lubrificá-la?
Considerações idiotas, dirá a mentalidade vigente e o politicamente correcto. E com toda a razão.
Dê-se, no entanto, direito de expressão à erradíssima opinião dos que se irritam, e deixe-se que tal gente opine, pelo menos enquanto o socialismo for democrático, como há quem ache.
Os senhores guardas deviam começar por perceber que se tivessem, de entre a população, quem os defendesse ou, por outras palavras, quem deles gostasse, as coisas talvez se passassem de outra maneira.
Ora, meus amigos, quem gosta de polícias?
Os meliantes e quejandos, por definição, odeiam-nos.
E as pessoas de bem? Que razões têm para gostar dos polícias? Gostam, como é normal, de quem as ajuda, não de quem as persegue. Gostariam de conhecer o senhor Silva, polícia de giro, ocupado a proteger os miúdos e as velhinhas, a dizer à Câmara onde estão os buracos onde as pessoas torcem os pés, a ajudar as criancinhas que se perdem dos papás. Gostariam de polícias se eles fossem simpáticos, se a sua existência fosse motivo de bem-estar e de segurança para cada um dos que contribuem para lhes pagar o ordenado. As pessoas de bem gostariam de os ver na rua, a moderar o estacionamento, a impedir despejos e outras selvajarias, a multar quem merece com critérios claros de justiça e equidade.
O que vêm, porém, as pessoas de bem? Polícias na rua, só de pópó, passeando sem cinto de segurança, com um ar imponente, pombalino, a dar, de quando em vez um berro ameaçador a este e àquele, ou a proteger os protegidos de quem lhes paga avenças contra os demais, ou a aplicar uns bloqueadores e fazer uns reboques em sítios onde aparecem quando o rei faz anos, em vez de os vigiar com regularidade e bom senso.
É verdade que a nova geração de agentes tem alguma educação. Alguns até sabem mais inglês que o primeiro-ministro. Também é verdade que ganham mal. Mas não é o que acontece a toda a gente? E onde estão? Na esquadra, que tem ar condicionado, ou a passear de automóvel, que é estofadinho. A rua, onde são precisos, é fria e chuvosa no Inverno e faz suar no Verão. Não é?
As consequências da filosofia do serviço policial são evidentes e inevitáveis. Ninguém dá um chavo por eles, façam as greves que fizerem, tenham as razões que tiverem.
Talvez, se mudassem de filosofia, a malta os compreendesse e ajudasse. Assim, vão chatear o Camões!
António Borges de Carvalho