A SANTA ALIANÇA
A estúpida polémica acerca do referendo sobre o Tratado – alterado, simplificado, espremido, na mesma, ou lá o que é – teve o condão de irmanar, em doce comunhão de objectivos, o comunista Portas (Miguel) e o super-direitista Monteiro.
Les bons esprits se rencontrent…
Num frente a frente qualquer, os dois ilustres políticos expenderam as suas brilhantes teses sobre o que estava em causa. Nada menos que a “democracia”. Ou se “pergunta ao povo” se quer ou não quer o tratado, ou a democracia acabou!
Em tempos, a Constituição (não de Portugal, mas da República) sabiamente referia que os tratados internacionais não podiam ser referendados. Percebia-se porquê. Nada mais contraditório com o conceito de referendo que um tratado. Onde está, num caso destes, a pergunta simples, concreta, de sim ou não? Quem pode votar sim ou não a tudo o que um tratado diz?
Os que querem o referendo estão nos antípodas dos que, com alguma lógica, defendem a democracia. Democracia é representação. A democracia directa é mais do agrado dos ditadores que dos democratas. Toda a gente sabe isto. Os que querem o referendo são a imagem do populismo na sua pior expressão, procuram oportunidades de galarim para, com raciocínios primários, apelar ao primarismo dos eleitores e ganhar tempo de antena. O resto é conversa.
Ter-se-ia podido admitir um referendo antes de “entrarmos” para a Europa: quer que Portugal faça parte de CEE, sim ou não? Ter-se-ia podido admitir um referendo antes da entrada para o Euro: quer que Portugal passe a ter outra moeda, sim ou não?
Perguntar às pessoas se querem ou não querem aquela complicadíssima coisa que se quer chamar Tratado de Lisboa é, objectivamente, trair as pessoas em vez de as esclarecer. Trair a Democracia, trair, em busca de púlpitos de demagogia, o interesse dos cidadãos.
Bem pode a Santa Aliança - contra natura ou nem por isso - do senhor Portas (Miguel) com o senhor Monteiro andar para aí aos berros. Bem pode o camarada Jerónimo, todo contente, berrar também. O referendo, numa matéria como esta, não passa de um miserável embuste e de um puro instrumento de propaganda.
António Borges de Carvalho