BANCÁRIAS BOAS-FESTAS
Para quem não é cliente nem accionista do BCP, a novela que vem envolvendo o banco de há uns meses para cá não passa de guerra de clãs e de tricas de ricaços, coisa que até tem o seu lado divertido.
Da penumbra do cofre, qual tio Patinhas, um personagem apareceu à luz dos holofotes, a dar à coisa o ar lúdico e divertido que lhe faltava. A camisola preta, o fato Armani, na lapela o coração encarnado circundado de pedrarias, a fala grunha, os atropelos ao português, o carão de melão, tudo contribui para fazer do senhor Berardo um ser que, se não houvesse, devia ser inventado para divertir o povo e dar a coisas graves a leveza sexy que a cardinalícia pompa dos seus inimigos está longe de conseguir.
As primeiras acusações do senhor Berardo foram algo suavizadas quando o engenheiro decidiu, de forma canhestra, pagar as dívidas do filho. Compreende-se as razões da atitude: o homem quis salvar a honra e a face da família. O problema é que não reparou que, ao fazê-lo, enterrava a honra e a face da instituição que, tanto como o seu filho, trazia os seus próprios genes.
O senhor Berardo continuou a cruzada. Não se ficou. Se, como tudo indica, tiver razão, então os motivos de preocupação deixam de ser exclusivo dos clientes e dos accionistas para passar a sê-lo de todos nós. Se as operações denunciadas se fundamentam no que parece fundamentá-las, então deixa de ser o BCP e os seus chefões quem está na berlinda. A coisa alastra com um tsunami e vai varrer todo o sistema, arrasando governos, ministros, o Banco de Portugal, a CMVM e os seus dirigentes, não se sabendo onde, como ou em quem vai parar.
Num país liberal, ou seja, num país onde o capitalismo é obrigado a funcionar nos limites da Lei, o caso teria sido mais bombástico, as autoridades teriam reagido com velocidade e eficácia. Veja-se o que aconteceu aos senhores Mário Conde e Ruiz Mateus em Espanha, ou o que se passou nos EUA com a Enron. Entre nós, onde o socialismo estatista continua a imperar, as coisas passam-se, e vão passar-se de ora em diante, de maneira diversa. Os dirigentes do Banco de Portugal, que deviam ter sido corridos quando, ao serviço da mistificação política que ainda serve de base à governação socrélfia, fabricaram o défice putativo de 6,83%, andaram de olhos fechados durante belos e doces anos. Acordando de repente, ciosos da sua ameaçada boa fama, arranjaram a safa de “recomendar” o despedimento dos chefões do BCP. A CMVM, essa, parece assobiar para o ar, não vá a bronca cair-lhe em cima. O governo fica-se pelas declarações de “preocupação”. O Procurador, coitado, tem nas mãos uma bomba atómica, a ninguém sendo dado imaginar o que fará com ela.
Os brandos costumes, em princípio, acabarão por prevalecer. Daqui a vinte anos, depois de uma batalha judicial do género das muitas que por aí vai havendo, uns senhores serão absolvidos, outros verão prescrever as acusações. Os absolvidos processarão o Estado, exigindo indemnizações monstruosas pela honra ofendida. O doutor Constâncio estará a banhos nas Caraíbas, reformado, rico e cheio de saúde. Os governantes, os homens do socialismo, os que, patrioticamente, souberam evitar que o Pinto & Sottomayor passasse para mãos castelhanas, serão louvados e incensados. Metade dos portugueses estará finamente proletarizada. A outra metade, ou quase, irá vivendo. Os que ficarem fora do quase estarão bem, recomendando-se como é de timbre. A Moldávia passará a figurar acima de Portugal em todos os indicadores. O senhor Gore terá deixado aos filhos a fortuna que ganhou a aterrorizar as pessoas. A Terra continuará a aquecer, ou a arrefecer, consoante lhe der na cósmica gana.
O Irritado, finalmente, estará a fazer tijolo como é sua não menos cósmica obrigação.
António Borges de Carvalho