NOTÍCIAS DA DENTADURA
Um careca, com uns dentes horrorosos, sorrindo alarvemente, veio “explicar” aos cidadãos uma nova, e brilhantíssima, iniciativa do governo que temos. A coisa consubstancia-se num decreto aprovado pelo excelentíssimo conselho de ministros com objectivo de submeter a exame prévio as terríveis manobras de fuga ao fisco que, sob a capa de “planeamento fiscal”, alguns canalhas costumam utilizar para atingir os seus tenebrosos fins.
No douto parecer do governo, não se trata de trabalhar as contas de forma a que, nos limites da Lei, o contribuinte tome as providências necessárias para ser taxado o menos possível. Não. Como, em princípio, todos os contribuintes são indignos de confiança, a coisa destina-se a detectar os prevaricadores antes que prevariquem e, assim, a evitar-lhes, com notável generosidade, aborrecimentos futuros.
Para dar um só exemplo de como a coisa vai funcionar, vejamos:
Como toda a gente sabe, na intricada selva das obrigações fiscais, muitas vezes as normas em vigor são objecto de controvérsia quanto à sua aplicação prática, ou de legítimas dúvidas quanto à sua interpretação. Por vezes, os contribuintes encontram uma alínea, um parágrafo, uma vírgula, susceptíveis de lhes poupar uma pipa de massa. Quando tal alínea, tal parágrafo, tal vírgula, é aplicada ao planeamento fiscal de alguém, as finanças acabam por se ver privadas de proventos que, se se interpretasse de outra forma a alínea, se se lesse diferentemente o parágrafo, se se tirasse a vírgula, entrariam direitinhos nos cofres do socrapifiosismo. É, aliás, por isso que, as mais das vezes a posteriori, aparecem uns “despachos interpretativos” destinados a tramar o cidadão.
Com o novo decreto esta rebaldaria vai acabar. Nada de interpretações a posteriori. Se cada desgraçado for obrigado a declarar, antes de o fazer, como é que vai servir-se da lei, a tempo irá o careca de “interpretar” as normas à la manière e de impedir a negregada alínea, o celerado parágrafo, a miserável vírgula, de funcionar de outra forma que não seja a mais favorável ao estado socrélfio.
Estão a ver?
O mais notável nisto tudo talvez seja o silêncio dos jornais e quejandos sobre a matéria. Será que receberam algum telefonema?
António Borges de Carvalho