CONDICIONAR A REPUGNÂNCIA
No tempo do doutor Oliveira Salazar havia uma instituição, de seu nome condicionamento industrial, que, com inteira justiça, era considerada como um atentado à liberdade e um entrave ao desenvolvimento económico do país. A vida económica era vigiada, condicionada, submetida ao poder político.
Presumia-se que se tratava de coisa odiada pelas pessoas, sobretudo por aquelas cuja capacidade de iniciativa e vontade de trabalhar se via limitada pela situação.
Muito bem. Teoricamente, o 25 de Abril ou, mais propriamente, as revisões constitucionais de 1982e 1989, terá, ou terão, libertado a “sociedade civil”.
Cruel engano. O desfecho da rocambolesca história do BCP vem demonstrar uma hedionda verdade. Enquanto o condicionamento do Estado Novo era uma imposição pura e simples do regime, que uns aproveitavam e outros sofriam, o dos nossos dias parte da iniciativa daqueles que, supostamente, deviam ser adeptos da tal “sociedade civil”. Em bloco, os detentores do dinheiro foram meter-se debaixo do poder político, carneirosamente se colocando às suas ordens, vilmente pondo em causa tudo o que seria suposto defenderem, rasteiramente procurando as benesses e os branqueamentos que do poder esperam. A entrega do BCP nos braços do senhor Pinto de Sousa, da maçonaria, dos aparatchiks, do tentacular PS, dos boys, por iniciativa daqueles que, se tivessem um mínimo de respeito pelos princípios que dizem defender, se quereriam libertar de tutelas, é um dos factos mais negativos da história contemporânea de Portugal.
Quando uma sociedade, ao mais alto nível da sua economia, se põe de rastos debaixo do governo, estamos perante a demonstração mais cruel de que a tal “sociedade civil” quase não existe e de que o Estado deixou de ser omnipotente (só) por iniciativa própria ou por abuso de poder, para mais não fazer que aproveitar e incentivar o cobarde servilismo dos cidadãos.
É difícil condicionar a repugnância que tudo isto causa ao Irritado.
Uma palavra de apreço, enfim, para que não se diga que o Irritado diz mal de tudo. O Dr. Cadilhe corporizou, honradamente, a “resistência”, a liberdade e o que, bem pouco, resta da “sociedade civil”. O Dr. Cadilhe, com virtude e coragem, mostrou que, embora ténue, poderá haver uma luz ao fundo do túnel da vergonha e do oportunismo. Viva o Dr. Cadilhe!
António Borges de Carvalho