PROTECÇÃO DE DADOS
Um jóvem de óculos, de seu nome Pina, foi explicar aos deputados que o estimável governo a que pertence se prepara para cruzar informação entre o Banco de Portugal e as Finanças, a fim de saber ao pormenor quem pede empréstimos a quem, quanto deve cada português, e se os bancos andam a emprestar a quem não tem capacidade financeira para pedir dinheiro emprestado.
Assim: os bancos informam o BdP de todo e qualquer crédito: quanto, como e a quem; o BdP manda às Finanças o número do contribuinte que lhe é dado pelos bancos; as Finanças informam o BdP da identificação completa do beneficiário do empréstimo, afim de que este possa descobrir se alguém anda a utilizar nomes não completos (!).
Ou seja: as Finanças poderão, com toda a facilidade, descobrir se o contribuinte disse ao banco que tinha rendimentos não declarados às ditas. O tal contribuinte será, consequentemente, ou mentiroso, ou propenso à fraude fiscal. Ficará durante anos, como é evidente, sujeito aos maiores aborrecimentos, obrigado a declarar que ganhou o que não ganhou, ou que não ganhou o que ganhou, ou o que muito bem apetecer ao fisco.
Informou o jóvem dos óculos que tudo isto tinha sido aprovado por uma entidade qualquer que tem por missão “proteger” os dados pessoais, a qual achara que estava tudo no melhor dos conformes. Ou seja, o BdP e as Finanças não estão sujeitos à lei da “protecção” de dados pessoais.
O senhor Pina descansa os eventuais pruridos dos senhores deputados declarando que os dados serão utilizados “exclusivamente para verificação da coerência da informação” prestada pelos cidadãos e pelas empresas. Q.e.d. Pois é.
Mais descansado se fica quando o senhor Pina, citando a preclara proposta de lei, informa que “a derrogação do dever de segredo a que o Banco de Portugal e a Direcção Geral dos Impostos ficam obrigados, para os fins previstos na presente lei, não prejudica a sua observância no mais, designadamente para efeitos de protecção de dados pessoais”.
Nem o hermeneuta mais qualificado conseguirá interpretar este português analfabruto. O que se pode ler, nas emaranhadas entrelinhas da estúpida frase é que o BdP e a DGI ficam “obrigados” a derrogar o dever de segredo para efeito desta lei. Ou seja, sem intervenção judicial nem indícios de fraude, o segredo é derrogado. Ou seja, não há segredo nenhum, há simples devassa da vida de cada um, desde que convenha ao BdP e à DGI. Quanto ao resto, eles não dirão nada a ninguém, o que quer dizer que se comprometem a não dar os ficheiros às “Selecções” ou ao Clube de Vinhos de Alguidares de Baixo. A lei só serve para perseguir os bancos que emprestam dinheiro fora dos subidos critérios governamentais, as pessoas que se encalacram e as empresas que investem.
E ainda há quem diga ser um exagero a acusação de “fascismo” que alguns comentadores aplicam a várias iniciativas do socratismo.
António Borges de Carvalho