À ESPERA DE UM MILAGRE
Voltar à questão das legislativas é talvez como chover no molhado. Já foi tudo dito, de um lado e de outro. Mas não é demais ressublinhar o óbvio, ou seja, o verdadeiro.
Os eleitores estavam perante duas hipóteses, quanto à escolha do futuro governo: podiam escolher um governo PS ou um governo PSD/CDS. Não havia outra proposta, no que à formação do governo respeitava. Foi o que fizeram. Escolheram o PSD/CDS, não o PS. Se fosse ao contrário, é evidente que o PSD, só ou com o CDS, teria deixado passar um governo minoritário do PS, o que já aconteceu várias vezes não sendo justo duvidar, ou ter-se- ia coligado com ele. Do outro lado, porém, escolheu-se a burla parlamentar, isto é, impôs-se ao país um governo não sufragado, não escolhido fosse por que eleitor fosse, à esquerda ou à direita. Desonestíssima entorse aos mais elementares princípios da democracia liberal, o que é normal em comunistas, mas não em democratas.
Formalmente, o governo burlão tem legitimidade, o que deve chamar a nossa atenção para os “buracos” da democracia, que a Constituição e a Lei não previnem. E deve trazer à colação uma verdade insofismável: não colhe a inteligência, os conhecimentos, a razão, quando esta é inquinada à partida por errados axiomas ou perversos princípios. Se se parte destes, tudo fica errado a seguir. Se se parte de uma premissa desonesta, nada pode ser sério a seguir.
A espantosa arrogância já manifestada pelo chamado primeiro-ministro e pelos seus mais importantes colaboradores, consubstanciada em boutades carroceiras, na viragem dos debates da defesa de posições para a técnica da oposição à oposição, na insistência em argumentos cuja falsidade os seus próprios autores bem conhecem, são bem sinais do que acima se opina. A monumental demagogia das “restituições” sem cobertura, a série de bem-aventuranças, repetidas à exaustão, que são atiradas para consumo dos que vão ser vítimas dela, o escamotear da monumental desconfiança universal em relação às receitas do orçamento e das suas garantidíssimas e fatais consequências, tudo se explica pelo pecado original da desonestidade que é base da situação política em que vivemos.
Pior do que isto tudo será a cobertura que parece que lhe vai ser dada pelo presidente eleito, que se desdobra em declarações de paz e de cooperação, mais uma vez ao arrepio do que os eleitores, ao elegê-lo, lhe disseram.
Outra esperança não nos resta senão a de esperar por um milagre. Como não há disso...
23.2.16