A LATA AO PODER OU O PODER DA LATA
A generalidade da opinião escrita e falada defende que, para que o Costa se safe da enrascada em que o seu amigo, companheiro, “irmão” e bem amado ex-chefe político o meteu, deverá ver-se livre de todos aqueles que andaram (e andam!), discreta ou indiscretamente, a achar e dizer o mesmo que, das alfurjas do seu esterco mental, foi dito por Mário Soares.
Como poderá Costa pôr esta malta no arquivo, se ele mesmo é, como mostrou à saciedade antes da bronca, o mais importante membro dela? Como poderá Costa apagar, não a fotografia do Pinto de Sousa, mas a sua própria como adepto e supporter de tudo o que o outro disse e fez? Como poderá Costa renegar um passado de colaboração, apoio e branqueamento de todos as públicas e notórias trafulhices que nunca deixou de louvar? Como poderá negar que foi eleito “candidato a primeiro-ministro” – mentira, não há candidatos a tal coisa - com o apoio desta sua malta? Como poderá negar que é o verdadeiro e único chefe “vivo” da gente de quem, agora, há quem diga que tem que se livrar?
Talvez a mais importante “qualidade” de Costa seja a lata. O homem tem lata para tudo.
Tem lata para dizer que “não há nada a fazer” quanto às cheias em Lisboa e, sem contrição pública, afirmar que vai gastar setenta milhões para as evitar.
Tem lata para defender os mega prejuízos que causou à cidade com seu apoio ao díscolo Fernandes.
Tem lata para nomear o Ferro chefe parlamentar, fulano mais que queimado e de uma evidentíssima falta de jeito e de imagem para o cargo, sem outra “justificação” que não seja a socretina camaradagem que os aproxima.
Tem lata para dizer que vai pagar mundos fundos ao povo se for primeiro-ministro, evidentemente sem dizer como e sabendo o que os outros não sabiam antes de chegar ao poder, ou seja, as monumentais quantidades de dívida desorçamentada que os esperavam debaixo do tapete.
Tem lata para ficar no poleiro quando a polícia vai à câmara, para ficar no poleiro quando o seu santo protector vai de cana e, ao mesmo tempo que elogiar o ministro que se demitiu porque os seus funcionários meteram o pé na argola.
Como o Pinto de Sousa, Costa é capaz de tudo dizer, negar ou afirmar, segundo as suas conveniências, momentâneas ou permanentes. Tem lata para tudo.
Se quiser livrar-se da herança do prisioneiro 44 terá que se negar a si próprio. Não há dúvida que tem lata para tal. Quem o apoiará? Há, no PS, o hábito ancestral de disfarçar, de desacreditar os que protestam, de manter uma intricada rede de “amizades” e de conluios, fora de toda a decência e de toda a moral. Vamos ver isso mesmo no congresso que se avizinha.
E cá fora? Ainda haverá um só eleitor que não tenha, com todo o fundamento, pelo menos dúvidas quanto à verdadeira natureza desta malta e do seu novo chefe? Talvez haja, há de tudo em toda a parte.
Imaginemos que o Costa consegue pôr no poleiro os não socrapífios. Quem? Os seguristas? Se estes tiverem alguma dignidade não aceitarão tal prato de lentilhas. O problema é que, no PS, a dignidade é um bem escasso. O congresso o mostrá-lo-á a quem disto duvidar.
28.11.14
António Borges de Carvalho