A PRESIDENCIAL PESSEGADA
Quando os filhos são maus, ou defeituosos, não deixam de, pelos pais, ser amados. Mas amá-los não significa elogiar as suas imperfeições, antes procurar corrigi-las, ou minorá-las.
Não, não estou a falar de problemas familiares. O exemplo serve-me para olhar um pouco para as atitudes de alguns auto-proclamados “pais da Constituição” de 76, que se vangloriam do tristemente célebre semi-presidencialismo à portuguesa, que dizem ter inventado. À cabeça, Miranda e Marcelo.
Nas democracias civilizadas da Europa Ocidental, não há um só caso da natureza do nosso. Só a França tem um sistema com o mesmo nome, mas totalmente diferente. O semi-presidencialismo francês é-o propriamente dito, não é semi-parlamentarismo: o presidente é-o da República, não “dos franceses”, como cá foi inventado e nunca negado pelos “pais” do sistema. É um chefe político que, representando a República, tem a sua política, não anda armado em “magistrado de influência”, não se atribui um “poder moderador”, não se diz “independente”, o seu cargo é político e actuante, é o responsável pela governação. Quer dizer, se foi eleito pela maioria do povo é politicamente responsável pelo que fez ou disse ir fazer.
Por cá, ao contrário, os inúteis e/ou contraproducentes presidentes têm que inventar a série de patacoadas acima entre aspas citadas, e outras, que não estão na Constituição nem servem para nada, a não ser para confundir as pessoas e maltratar a sua vontade.
Fora de França, os chefes de Estado ocidentais são de nomeação ou eleição parlamentar, gozando da confiança maioritária do Parlamento para a representação do país, e pouco mais. Apoiam os governos que o povo elegeu, que são os governos das suas Repúblicas, ou dos seus Reinos.
Por cá, não são carne nem peixe. Para mostrar que existem metem-se onde não são chamados, apoiam ou desapoiam governos, cultivam a estulta preocupação de se tornar notados. Consoante as opiniões, são “independentes” quando fazem a vida negra aos governos, são “partidários” quando os apoiam, e vice-versa. Não é por acaso que, nas campanhas presidenciais, metade do tempo se passa a discutir quais são os seus poderes. Como ninguém sabe ao certo o que andam para ali a fazer, acabam por fazer o que deles esperam uns contra os outros. É uma ficção isso de dizer que os presidentes estão “acima dos partidos”. Como o seria dizer que estão “abaixo”. E ainda mais, dizer que, sendo políticos claramente caracterizados, se espera deles “independência”. Quem é eleito directamente por metade dos votos directamente expressos nunca será “independente”.
O que irrita o IRRITADO é que os “pais” desta pessegada se orgulhem dela.
26.10.15