ATASCADOS EM DIREITOS
Por exemplo:
Com que então, você, seu parvalhão, queria ir à santa terrinha no Natal, hem! Pois. Mordomias. Os mui nobres cidadãos da CP, pletóricos de civismo, atascados em direitos, decidiram que não vai, não senhor. Não queria mais nada? Longo curso nem pensar. Se quiser andar de comboio, vá do Cais do Sodré a Caxias, e já está com muita sorte. Em alternativa, meta-se no seu velho calhambeque, e faça-se à estrada. É porreiro, vai independente e, como ainda só morreram uns 14 na estrada - diz o capitão das relações públicas da GNR -, a coisa até é mais segura.
Há mais. Essa porcaria da hérnia discal que lhe faz a vida negra e que estava para levar umas facadas em Novembro, com sorte, talvez as leve em 2032, tudo por mor do SNS, organização estatal para a qual você anda a contribuir há 32 anos. É que, no abalizado parecer técnico dos enfermeiros, atascados em direitos e possuídos de civismo e de natalício amor ao próximo, você ou pagou pouco, ou é parvo. Tome umas aspirinas, se tiver dinheiro compre uma máquina de massagens daquelas que as brasileiras de mini-saia vendem nos centros comerciais, e vai ver como vida lhe sorri. E deixe-se ficar em casa na noite do fim do ano em vez de ir para o Terreiro do Paço dançar com os rapers. Verá como é bom.
Se tem pendências jurídicas e está à espera de solução, não seja chancho. Espere. Os doutos magistrados das mais diversas especialidades (iguaizinhos aos maquinistas, aos vendedores de bilhetes, aos estivadores, aos “docentes” e a outros), atascados em direitos, tratarão do assunto daqui a 22 anos, afinal só mais doze que os do costume. Alegre-se, os seus herdeiros vão lembrá-lo com carinho, se vierem a receber algum. Se tiver um advogado dos caros e for criminoso de colarinho branco, não pense mais nisso. Os seus bisnetos arquivarão a sentença junto à sua urna, com um ramo de rosas embrulhado em papel celofane.
Você, cidadão atento, entretem-se a pensar em exportações, na balança de pagamentos e noutras patacoadas? Deixe-se disso. Reveja-se na ministra do mar que, 4 meses depois de deixar atravancar os portos, despertou do seu merecido descanso e, em boa hora, foi dar um jeito à coisa. Felizmente há governo, não é? Atascados em direitos e em consciência cívica, os estivadores colaboram com a Nação, como é seu dever.
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O que vou escrever a seguir condenar-me-ia a uns anos na Sibéria, por intervenção da joint venture entre o Jerónimo e a URSS. Como a joint venture acabou, coitado, terá o dito que se contentar com umas farras do Arménio e do Nogueira. Dona Catarina, sem tropas que se veja, terá que fazer umas viagens de apoio aos inalienáveis direitos dos tipos da CP, dos juízes, dos porcuradores, dos estivadores, dos enfermeiros, dos professores e de outros serventuários do Estado, antes de me mandar para a choça, poder de que, por enquanto, não dispõe. Uma pena.
Passo a explicar o que me vai na alma. É que tenho a mania, eventualmente fascista, de que a cada direito corresponde uma obrigação. Muitos direitos, muitas obrigações. Julgo eu, por exemplo, que o exercício do direito à greve, quando em violento prejuízo, não do patrão, mas dos direitos dos outros, deveria uma contrapartida qualquer. À la limite, poderia ser compensado com o direito de o Estado/patrão pôr os abusadores na rua. Coisa que, como é sabido, no exercío das nobres funções públicas, é proibidíssima. Há até, dizem boas línguas, casos em que os titulares de tais funções, quando fazem greve, recebem a dois carrinhos. Como são muitos, o patrão Estado não tem forma de saber quem alinhou e quem não alinhou. Assim, não tem outro remédio que não seja pagar a todos. Os sindicatos, bem mais informados, pagam aos grevistas, assim cumprindo as suas obrigações para com os filiados. Tudo a bem da “devolução de rendimentos”, como é de moda. Bem visto. Como prémio de ter feito a vida negra milhões de servos da gleba não está mal.
Calculo que a modesta expressão desta opinião do IRRITADO levará a uma reunião de emergência do CRDVPC (Conselho Revolucionáro e Disciplinar de Vigilância do Politicamente Correcto), sob a presidência da dona Catarina, sendo secretário o careca, assessoras três esquerdoidas de primeira escolha e observadores os camaradas Jerónimo, Nogueira, Arménio e Costa. As deliberações serão unânimes e terão, à distância, o aval do aiatola Rafsanjani
Com o coração em tremebundo aperto, fica o IRRITADO à espera do veredicto do CRDVPC, última instância da inquisição do socialismo.
26.12.18