CIÊNCIA E FUNÇÃO PÚBLICA
Sei que sou um ignorante nesta como em muitas matérias, mas longos anos a olhar o mundo dão-me o direito de achar que estou no direito de opinar.
Falo de ciência e cientistas.
Olhando à volta, vemos e admiramos pelo mundo fora os cientistas que criam novas formas de ver as coisas e melhorar o mundo. No melhor dos sentidos, é gente cuja pátria é o trabalho, isto é, que “vende” o seu pensamento e as suas capacidades a quem melhores condições de realização lhes oferecer. Daí que, de projecto em projecto, de bolsa em bolsa, de financiamento em financiamento, de universidade em universidade, de laboratório em laboratório, se vão impondo e pondo o que descobrem e inventam à disposição do mercado, dos governos, da espécie humana e do planeta. São, de certa forma, o contrário do funcionário que, mesmo que com alta competência, goza de carreira estável, cumpre regras que outros criaram ou segue rotinas que lhe permitem “progredir na carreira”. Cientistas são gente que progride à própria custa, que impõe aos outros o que vale, que vai, step by step, construindo a sua vida. Tiro-lhes o chapéu.
Por cá, o chamado governo faz o contrário. O chamado ministro competente na matéria anuncia, orgulhoso, que vai meter 2.000 cientistas na função pública. Dois mil eventuais ou actuais bolseiros passam a funcionários. Não se trata de lhes proporcionar protecção social em caso de azar ou paragem entre projectos. Trata-se de os levar a abandonar uma vida de sucesso e de risco em favor do olímpico descanso que uma “carreira” sem sobressaltos lhes proporcionará para o resto dos seus dias.
Política científica que jamais terá passado pela cabeça do justamente tão celebrado ministro Mariano Gago, por muito socialista que fosse. Mais uma originalidade do nosso tão original chamado governo.
25.3.16
PS. Já este post estava encerrado, dou com uma precisão noticiosa. A “funcionarização” não é só para cientistas propriamente ditos, mas para as bolsas pós-doutoramento. Um bodo: ganhe uma bolsa, terá emprego para toda a vida e mais seis meses!