COERÊNCIA A RODOS
Há para aí 30 anos, num belo dia de sol, o IRRITADO encontrou o Primeiro-Ministro Mário Soares na praia do Alvor. Cumprimentaram-se com cordialidade. Sua Excelência, após natural conversa de xaxa, resolveu queixar-se: “Porque é que vocês, lá no jornal, dizem tanto mal do governo, e de mim próprio?”. Ao que o IRRITADO respondeu: “Senhor Primeiro-ministro, é simples, o senhor é socialista e nós não”. Surpreendentemente, Soares respondeu: “E quem lhe diz que eu ainda sou socialista?”. E o IRRITADO: “Ora aí está uma grande notícia! Vou mandar vir o chefe de redacção e um fotógrafo para o dr. dar uma entrevista a declarar que abandonou o socialismo!”
É claro que a coisa ficou por aqui, entre risos e despedidas.
Se recordarmos os tempos em que o mesmo indivíduo declarava publicamente que ia pôr o socialismo na gaveta – tinha percebido que o socialismo não resolvia nem um só dos problemas que tinha pela frente – e compaginarmos esta atitude e a do Alvor com a recente declaração de fidelidade da mesma pessoa ao PS, ao socialismo, ao Costa, à fé inabalável em que “os socialistas devem, sem hesitações, ser chamados, a pronunciar-se... sobre as ecolhas que o partido precisa de fazer”, que pensaremos?
Diz ele que é para “honrar a tradição republicana”. O que seja tal “tradição”, não explicou, porque, evidentemente, ou é inexplicável ou vergonhosa.
Saúde-se a “coerência” deste nobre republicano. Só não se percebe porque, se teve que meter o socialismo na gaveta para deixar Ernâni Lopes resolver-lhe os problemas nos anos 80, agora não faz o mesmo. Como é que o socialismo, no tempo dele, era para esconder durantre a desgraça, e agora, perante o mesmo tipo de situação, resolverá o socialismo seja que problema for?
3.6.14
António Borges de Carvalho