COISAS ESPANTOSAS
Afinal, qual é o espanto? Que o Pinto de Sousa fosse preso? Não. Foi a coisa mais normal deste mundo. Um tipo com as histórias em que se envolveu, com os escândalos que provocou, com as aldrabices que vomitou, com as suspeitas que causou, foi, finalmente, metido na cadeia para interrogatório. Qual é o espanto? Nada de mais natural, mais normal, menos espantoso.
Espantoso é que tenha deixado de haver influências políticas na gestão dos casos, que tenha deixado de haver pressões sobre investigadores e procuradores, que tenha deixado de haver um PGR que, depois de ameaçar pôr escutas nos jornais, como ameaçou, as tenha mandado queimar, como mandou, aliás de sociedade com um tal Nascimento, que desautorizou os seus pares para proteger o poder político. Espantoso é que já não haja as manigâncias a que assistimos, por exemplo no caso Casa Pia, onde se chegou ao ponto de legislar para punir os juízes em vez dos suspeitos. Espantoso, mas pela positiva.
Pela negativa, espantoso é que, no universo do comentário e não só, tenha aparecido uma data de gente a dizer que o problema é a forma como o fulano foi preso, sabendo as televisões do assunto antecipadamente. Quer dizer, os mesmos artistas que se dedicam a criticar a falta de “transparência” de tudo e mais alguma coisa, de repente achem que ninguém devia saber deste assunto! Espantoso é que até tenha aparecido um opinionista, o sinistro fundamentaleiro do PS Adão da Silva, aos gritos que a justiça não tem escrúpulos e trata o Pinto de Sousa sem o devido respeito!
Espantoso é que o número dois do Pinto de Sousa, no governo e no PS, e chefe dos seus reabilitadores, o notório Costa, tenha sacudido a água do capote, tenha dito que a justiça é a justiça e a política é a política. Isto, no dia seguinte a ter afirmado que o Macedo é um gajo porreiro porque se demitiu, assumindo a “responsabilidade política” na questão dos vistos. Então, ele, Costa, que tem funcionários da CML a ser investigados pelo mesmo assunto não se demite da CML? Não tem “responsabilidade política”? Ele, que era o menino querido do Pinto de Sousa, que fechou os olhos a todas as malfeitorias do homem, que anda há semanas a tratar de o fazer regressar ao altar dos santinhos da política acompanhado de toda a sua trupe, em vez de se demitir do partido toma gloriosamente posse do cargo de secretário-geral e aceita ser “candidato a primeiro-ministro”. Então no seu caso, não há a mesmíssima “responsabilidade política”, ou mais?
Assinale-se, a título de anedota, que o guru do nacional-trotskismo, o camarada Louçã, veio sublinhar a “diferença” entre a detenção do Pinto de Sousa e a do Ricardo Salgado, protestando contra as diferenças de tratamento que as autoridades deram a um e a outro. Devia querer chamar a atenção para o que separa um pobre político de um abominável banqueiro. A verdade é que um foi preso em casa, outro no aeroporto. Ambas as detenções tiveram a devida publicidade. Qual é a diferença? Explico: é que as altas e retorcidas meninges do Louçã são capazes de imaginar?
Pinto de Sousa bem pode estar contente com este tipo de solidariedade, com certeza a somar à da maçonaria, do Mário Soares e de mais umas centenas de taradinhos que por aí vegetam e que não deixarão de se manifestar.
23.11.14
António Borges de Carvalho