CONVENIÊNCIAS
Para não falarmos de guerra (sobra quem fale nisso), façamos uma viagem até coisas que, não sendo propriamente faits divers, têm a sua piada.
Por causa do senhor Abramovitch, rios de tinta correm por aí, a fazer concorrência ao Putin. Dona Constança anda irritadíssima por haver uns arquiduques lá do partido que não querem que ela altere a lei dos sefarditas, lei que ela aprovou, mas acha má. De acordo. Isso de dar passaportes à balda devia acabar.
Bom, adiante. O que excitou o IRRITADO foi uma pequena frase, julgo que da dona Constança. Reza assim, mais ou menos: o processo tem que ser “bastante mais rigoroso”... para reduzir os casos de (pedidos de) nacionalidade “por conveniência”.
Então há casos que não são por conveniência? Porque é que um tipo pede a nacionalidade sem ser por conveniência? A ver: um cidadão, digamos, do Bangladesh, descobriu que tinha um vigéssimo quinto avô que foi corrido pelo Dom Manuel I há 500 anos, ou seja, umas vinte cinco gerações atrás. Mas, coitadinho, tinha tantas saudades do avô (ou da avó, que os judeus gostam mais de avós do que de avôs) e que era tal saudade e o amor que o o coração do nosso bangladeshiano vivia angustiado. Como diz a dona Constança, o homem, prenhe de sentimentos pátrios em relação ao rectângulo, que nem sabe onde fica, é um tipo desinteressado, não age por “conveniência”. Ele não quer um passaportezinho para ir fazer compras a Paris ou abrir uma continha em Londres, ou comprar uns prédios na Reboleira. Não, é tudo fruto de sentimentos não “convenientes”, ou seja, desinteressados. Estão a ver? Como é que a dona Constança sabe que um tipo destes não tem “conveniência”, e só pede a nacionalidade para pendurar na parede? Não sabe, nem pode saber, porque não há disso. Pode haver conveniências mais convenientes e menos convenientes. O que não pode haver é ausência delas.
Como é natural, estas manias de mexer no passado (bom ou mau, não há outro) e andar a pedir desculpa do que, há 500 anos, fez a política do tempo, é um disparate de todo o tamanho, não remedeia o irremediável e só aproveita às conveniências de cada um.
Note-se que o IRRITADO se está mais ou menos nas tintas para que haja mais uns passaportes ou menos uns passaportes, mais uns sefarditas ou menos uns sefarditas. O que lhe parece é que o critério de concessão, seja ele qual for, será sempre uma manta de retalhos, dará sempre várias raias, e não tem nada a ver com nacionalidades, só com as conveniências (legítimas ou ilegítimas, boas ou más) de cada um.
28.3.22