CONVIVENDO COM OS ALTÍSSIMOS
Já repararam que não é à falta de conferências, de sessões, de encontros, de eventos, de debates, de simpósios, de seminários, de congressos, de palestras, que o gato vai às filhoses? Raro é o dia em que uns quantos pensadores, filósofos, politólogos, catedráticos, escritores, jornalistas, não anunciam que vão discutir o futuro, a dívida, a liberdade, os caminhos, os atalhos, as veredas, os objectivos, os meios, as teorias, as práticas, as ideologias, as doenças, os remédios, tudo destinado a descobrir, revelar, elaborar, discernir, apontar, criar, descobrir, sempre convidando os interessados, quantas vezes mediante um pequeno, ou grande, estipêndio, a vir pensar com eles, esclarecer-se, cultivar-se, encontrar-se, gozar uns coffee breaks, ver e estar perto de altas sumidades das mais variadas matérias, conversar com elas, tocar-lhes, fazer-lhes perguntas...
É espantoso que haja sempre clientes para estes comércios. Gente ansiosa por ouvir quem sabe, por mergulhar em estudos, estatísticas, números, teorias, teoremas, salvíficas formulações teórias e poucas experiências práticas, gente que tem tempo e, às vezes, dinheiro para estas coisas, que lá socializa e aprende, ganha bagagem para poder apreciar, comentar, criticar, conviver e mostrar-se, é tão bom mostrar-se em “foruns” (como diz quem “sabe”, não é?).
Mostrar-se é o maior desejo do povo. Na televisão, nas revistas, nas “redes”, mostra-se as criancinhas, levadas pelas mãezinhas, mostra-se o rabo, mostra-se tudo, preciso é aparecer, nem que seja aliviar a solidão nas redes sociais, contar o que se faz, pôr fotografias de coisas que, antigamente, faziam parte da “reserva de privacidade”, como se diz agora, coisas que não deviam interessar a ninguém, tudo para se dizer existir, estar cá, estar à la page, coisas para mostrar aos desconhecidos, coisas fátuas e ridículas, mas coisas, coisas que deixam de ser de cada um, porque cada um se sente só se não estiver na onda de ser “conhecido”.
Bom, isto para o povo em geral. Não é o mesmo que fazem os da mó de cima nos seus encontros intelectuais, científicos, filosóficos? Não passam os da mó de cima o tempo a resolver-nos os problemas e a mostrar-nos os caminhos?
Surgiu agora mais um manifesto, mais uma reunião, um congresso, uma coisa qualquer a que os promotores dão o modesto título de “Conferências do Casino”? Agora é que é! Nada menos que uma série de indiscutíveis cabeças da lusa praça, gente finíssima, todos à esquerda do centro – Fiolhais, Oliveira Martins, Sampaio da Névoa, Eduardo Lourenço, Miguel Real, Viriato Marques, António-Pedro Vasconcelos e mais vinte – vêm anunciar os seus pareceres, as suas orientações, os caminhos que teremos que percorrer se quisermos ser felizes, tudo gente que aparece todos os dias nos jornais e que toda a gente sabe o que pensa ou diz pensar, mas que precisa de galarim para aparecer ainda mais, não vá alguém esquecer-se deles ou da sua “mensagem”.
E se alguém fizesse alguma coisa por isto, em vez andar a dizer que existe?
8.10.14
António Borges de Carvalho