COSTA, O INOCENTE MOR
Costa devia estar com sono quando disse, às duas da manhã de ontem, o chorrilho de asneiras a que já nos referimos. Já bem dormido, porém, por volta das oito da noite, solenemente, com cenário montado na residência oficial, excedeu-se: bem acordado é ainda pior que com sono.
Diz o fulano que a “reforma florestal” foi aprovada em Junho de 2016. Qual reforma? Ninguém deu por nada porque nada foi feito, a não ser um turista político que se diz ministro ter declarado que o Dom Dinis não lhe chega aos calcanhares. Costa não sabe disso. O sistema da “protecção civil” foi concebido e montado por Costa. Costa não se lembra. Os respectivos dirigentes foram, nas vésperas dos incêndios, postos na rua e substituídos por boys. Costa não estava cá. O sistema SIRESP, na sua forma actual, foi obra do Costa, obtida à pala de cortes na despesa. Costa ignora. Pedrógão foi há quatro meses. Daí para cá, o que aconteceu? Aconteceu que governo de Costa decidiu administrativamente que a saison dos incêndios estava encerrada, retirou meios do terreno e encerrou torres de vigilância. Costa estava distraído. Os tipos da meteorologia anunciaram nova onda de calor. Costa, nesse dia, tinha a televisão avariada, ou equivalente. Conclusão, Costa, na sua angelical inocência, não passa de uma vítima de hordas de inimigos que se acastelam por aí.
É por estas e outras que Costa se apresenta, importante e poderoso, à Nação. E justifica-se: esteve quatro meses à espera do relatório da comissão de sábios. Antes disso, que havia ele de fazer? Demitir a ministra? Coisa ”infantil”, nem pensar. A ministra é o seu escudo de protecção, isto é, enquanto a malta andar distraída com ela, ele fica de fora. O relatório da tal comissão, esse, mais do que um escudo, funciona como muralha. O governo estava à espera dele, boa razão para não fazer nada. Na sua miserável arenga, Costa falou da muralha umas cinquenta vezes, iludiu questões incómodas, repetiu à exaustão e a despropósito a mesma cassete, bailou, deu a volta pelo lado.
Não pediu desculpa, nem aos vivos nem aos mortos, não aceitou responsabilidades, não admitiu falhanços governamentais: os falhanços são todos de outrem que não ele. Bailou num mar de inanidades, de fantasias, de palermices repetidas ad nauseam.
Há quem ande a chatear o Costa com este fait divers dos incêndios, e logo no momento em que ele estava, com os colegas e camaradas da geringonça, a tratar da clientela, a segurar as sondagens com uns tostões. Que injustiça!
Sem sombra de ironia, quem devia ser demitido era o governo em peso, porque o povo sofre na carne a incompetência e a desonestidade do primeiro ministro, do seu partido, dos seus apoiantes parlamentares, do infame esquema que Costa montou. Mas, sendo de esquerda, não é “demitível”. A moral republicana funciona.
17.10.17