DA TURQUIA
Como é sabido, a democracia turca e o laicismo republicano foram revolucionariamente instituídos sob a direcção do senhor Mustafá Kemal, depois Atatürk (pai da Turquia). Mas este senhor sabia o que estava a fazer, isto é, sabia que a democracia e o laicismo não correspondiam à tradição, não estavam enraizados na maioria do povo turco. Por isso, fabricou uma solução castrense, deu às forças amadas o papel de guardiãs do respeito por tais valores. Foi assim que, a certa altura (fim da década de 70) as tais forças armadas suspenderam a democracia com a finalidade de a preservar. Foi assim que, nos anos 90, evitaram que um partido religioso tomasse o poder em Istambul.
É evidente que, para os puristas da democracia liberal do ocidente, este tipo de poder armado sobreposto aos resultados de eleições é coisa inaceitável, para não dizer condenável. Esta situação levantava importantes resistências à entrada da Turquia na UE, aliada, é bom não esquecer, ao facto de a Turquia, com os seus 80 milhões de pessoas em imparável progressão numérica, viria a ter mais deputados, mais funcionários, mais isto e mais aquilo que... a Alemanha, por exemplo. Assim, a adesão, contra o parecer e os desejos dos kemalistas, foi sendo adiada. E assim também, a “vigilância” militar enfraqueceu, o partido islamita acabou por subir ao poder chefiado por um tipo pouco aconselhável o qual, ainda por cima, teve a sorte de apanhar o país em franco crescimento económico. O resultado está à vista: os generais democratas estão na cadeia, os juízes dominados, as leis alteradas à vontade do chefe, o sonho de Mustafá Kemal no caixote do lixo.
A Europa perdeu um aliado de peso porque teve pruridos ideológicos, a julgar que a Turquia era um país como os demais, não uma terra de vasta influência religiosa. A NATO já não sabe ao certo se pode contar com a Turquia, um país cuja força militar, na Europa, só terá paralelo no Reino Unido.
É nisto que estamos. A Turquia caminha a passos largos para uma ditadura violenta. O seu papel estabilizador no médio oriente deixou de estabilizar fosse o que fosse. As tergiversações militares são o prato do dia.
Haverá saída? É bom não esquecer no que deram, ou no que continuam a dar, as “primaveras árabes”. Às vezes, um bocadinho de bom senso e uma pitada de “realpolitik”, fazem imenso jeito...
14.1.15
António Borges de Carvalho