DA VIDA DE CADA UM
Tudo o que fazemos, ou deixamos de fazer, tem consequências, boas ou más. Se um cidadão andar a carregar baldes de cimento e der nas vistas ao seu supervisor, é natural que passe à frente de terceiros no seu caminho até pedreiro; e se, como pedreiro, for apreciado, é natural que alguém o contrate para chefe de pedreiros, e assim por diante. O mesmo com a diligente secretária, a quem o chefe proporciona a frequência de cursos de qualificação que, step by step, com muito e bom trabalho, a levem a posições de relevo. Ou com um rapazito dos recados (conheço pelo menos um) que venha a ser economista de topo numa grande empresa. Há quem construa um futuro brilhante, há quem não o consiga, não queira, ou não tenha para tal as necessárias qualidades. Não pode é andar entretido com horários de trabalho e sindicatos, pelo menos na opinião do IRRITADO.
En tudo isto há também sorte, ou a falta dela, há os acasos desta vida, há coisas que umas vezes empurram para cima, outras não. C’est le vie, como diria Lapalice. E há também as pessoas que cada um vai conhecendo ao longo da vida e que, para bem ou para mal, vão abrindo ou fechando oportunidades.
Nunca me fez qualquer espécie de confusão a história, tão miseravelmente glosada, dos políticos que, saindo da política, passam para cargos importantes na esfera privada. A “opinião” condena, por um lado, que alguém seja político profissional, às vezes sem outras qualificações que não sejam as que a tal levam. A mesma “opinião” inverte razões e entra em fúria quando alguém, saído da política, arranja algum emprego daqueles que fazem boa inveja a uns, má inveja a outros – quase todos.
Se um médico que foi ministro da saúde voltar à profissão e dirigir um grande hospital privado, que mal há nisso? Devia ir engraxar sapatos no Rossio? Se um engenheiro que foi ministro das obras públicas ingressar numa grande construtora, onde está a indecência?
A “opinião” instalada inverte o ónus da prova todos os dias. Parte do princípio de que vão entrar na venda de influências, em cambões, em cartéis, e são condenados na praça pública, não por ter prevaricado mas porque é “da natureza das coisas”. Substitui-se a justiça por processos de intenção.
Vem isto a propósito da recente nomeação do senhor Barroso para semi-chefe de um influente banco, uma máquina de fazer dinheiro - no nosso caso, até tem que o criar, já que, só o BES, lhe ferrou uma pantufada de 900 milhões. Barroso, com mais ou menos merecimento, gerou um capital pessoal tido por útil ao novo patrão.
Ninguém, incluindo este escrevinhador, terá qualquer sombra de simpatia pelo homem, um tipo desagradável, antipático, supremamente convencido, mais preocupado consigo que com seja o que for. Por uma questão de bom senso, não devia ter aceite a função. Por um lado, sabia a tempestade opinadora que iria desencadear, por outro não precisava daquilo para nada, vistas as inumeráveis mordomias, merecidas ou não, que já lhe tinham sido oferecidas e sido aceites.
Para nós, será sempre o homem do “choque fiscal” – que falhou rotundamente – e o do abandono do cargo para que foi por nós eleito. Foi também o homem que arrostou com a crise europeia sem que se lhe tenha ficado a dever algum rasgo de génio. Não passou de chefe de uma colossal burocracia, sem que se lhe tenha ficado a dever reforma alguma.
Não há que dar a Barroso os parabéns por mais esta promoção. Mas também não haverá que aproveitar para mais uma tempestade mediática, ora feita de alguma razão, ora de puro despeito.
12.6.16