DAS DESVENTURAS DA VERDADE
O Santos Silva, em atitude altamente viril e desassombrada, chamou o embaixador em Moscovo “para consultas”. Ao ver tal coisa, Costa achou-se ultrapassado. Pensou, pensou, e disse: se aquele gajo chamou o embaixador, também tenho que chamar alguém. Genial. E mandou para os jornais que tinha chamado o chamado ministro da cultura a São Bento. Isto como se não chamasse, todos os dias, algum ministro a São Bento sem dar cavaco a ninguém. A propaganda é o que manda, o que interessa, o que dá votos, o que excita o povo ignaro, burro, que há que manter nos varais.
Com a tal chamada, o tal povo ficou convencido: o nosso ilustre chefe está zangado por causa da gritaria dos que ficaram fora do bodo da cultura. Como dizia ontem uma senhora da classe, “temos que pagar a renda da casa!”. É para isso que serve o dinheiro dos impostos. Quais hospitais, quais escolas, qual carapuça. Cultura, meus senhores, cultura! No caso, o senhorio agradece.
Ontem de manhã, ouvi não sei onde que o orçamento para o bodo da cultura tinha aumentado 3,75%. À tarde, o chefe de São Bento declarava que era mais de 35%. À noite, o Galamba, caramba, fixou a percetagem em acima dos 50%. Grande artista. É claro que era tudo mentira, como não podia deixar de ser. Dependia das contas, porque metia novos e caríssimos contemplados. Que interessa se é mentira ou verdade? O que interessa é o que passa para o tal povo, o que vota neles, não o que paga e vota nos outros.
O infeliz declarado como secretário de estado da cultura deu o peito às balas. O respectivo ministro devia estar de férias, seguindo o exemplo que vem de cima: se há azar, vou de férias, como fez o chefe com os incêndios. O infeliz (será corrido?) declarou que as verbas da cultura tinham sido atribuídas com o total conhecimento e apoio do chamado primeiro-ministro, e que tudo tinha sido devidamente combinado com ele e com os destinatários do carcanhol. Se calhar disse a verdade, mas a verdade é o menos. Ou então não era verdade, como reza a douta opinião do tripeiro-mor, o qual organizou um “evento mediático” para “esclarecer” que não, não estava de acordo com coisa nenhuma e, crime dos crimes, nunca tinha sido ouvido. Outros disseram o mesmo, até alguns que não tinham respondido aos inquéritos oficiais sobre o assunto, se calhar porque estavam a contar com o ovo no trazeiro da galinha.
Resumindo e concluindo, a verdade é como as batatas, não tem ponta por onde se lhe pegue. Não interessa a ninguém, nem à senhora da renda da casa, nem ao tripeiro, muito menos ao Costa, ao ministro, ao secretário, à mulher-a-dias (assistente operacional!).
O que interessa, o que vai ficar, o que o povo quer ouvir, é o que hoje foi dito pelo senhor de São Bento, eventualmente com o afectuoso apoio do colega de Belém: “vamos arranjar mais uns milhões para a renda da casa”. E fica tudo resolvido.
Que seria de nós se não tivéssemos um génio a mandar nisto?
5.4.18