DAS PRESIDENCIAIS
Anda para aí um sururu dos diabos sobre as eleições do chamado “mais-alto-magistrado-da-nação”, interessante fórmula herdada dos tempos da II República, a apelar a coisa que jamais existiu: um presidente que fosse magistrado ou tivesse alguma coisa a ver com tal qualidade. Enfim, problemas lexicais sem importância de maior.
À esquerda não parece haver problemas de escolha. Já que não é possível candidatar o 44, conhecido coveiro da Nação, recorre-se ao número dois, tão coveiro como o outro, só que mais doce: o célebre fugitivo do “pântano”. Isto de dar à sola parece ser rentável: um foi para a UE, outro para a ONU, em altos e trabalhosos cargos.
À direita perfilam-se diversos pretendentes, há tabus, avanços e recuos, numa palavra, ninguém sabe o que há-de fazer.
Talvez seja uma boa ocasião para pensar dois minutos sobre a importância deste magno problema. Põe-se um país inteiro a vibrar com ele, como se fosse mesmo magno. E, afinal, que importância tem, para além de ser palco para mais guerrilhas partidárias, forma de gastar mais uma data de milhões, de entreter a malta, de dar à III República mais uma eleição directa, coisa que nenhuma república usa, a não ser aquelas em que o presidente é o verdadeiro chefe do executivo? Importância não tem, mas é-lhe dada pelo politicamente correcto e por uma Constituição em que ninguém é capaz de mexer.
Põe-se no Palácio Real de Belém um ocupante sem poder político, que não toma decisões, que não tem iniciativa legislativa, que não tem autoridade sobre o governo, que “anda para ali” à procura de alguma coisa para fazer, de alguma fábrica para visitar, de alguma creche para inaugurar. De vez em quando, pode chatear estes ou favorecer aqueles, mandando coisas para o Tribunal Constitucional, fazendo uns discursos, mandando umas bocas mais ou menos crípticas. Pode, com algum golpismo, como foi o caso do intragável Sampaio, favorecer os seus mediante a dissolução do Parlamento. Mais nada. É garantido que será atacado, à esquerda ou à direita, sempre que abra a boca: dará imenso trabalho a jornalistas e comentadores, tempo de antena aos políticos que lhe vão às canelas ou o elogiam. E até pode, como fazia o inacreditável Soares, gastar umas massas com congressos, fundações e outras martingalas.
Tudo isto custa milhões e não serve para nada. Pior, é contraproducente. Dados os nossos hábitos eleitorais, o presidente será sempre o representante de um lado da política, nunca dos portugueses, apesar de se dizer de todos, coisa que nunca foi nem poderá ser. Presidente, sim, mas só da República a de mais nada nem de ninguém: pelo menos, é o que reza a Constituição e diz a lógica das coisas.
A eleição directa do Presidente foi uma invenção do Salazar até às bernardas do Delgado. Então porque é que a III República, orgulhosa e desgraçadamente (para nós) herdeira da primeira, não usa, como ela, a eleição parlamentar, como acontece em todas as repúblicas da Europa Ocidental, à excepção da França, onde o presidente é sede de poder político, assim dando lógica ao sufrágio universal? Mistério que os francófilos admiradores do professor Duverger talvez pudessem esclarecer, mas não esclarecem.
Caminhamos para mais uma imponente eleição directa, a fim de excitar as gentes e gastar uns milhões. Uma desgraça constitucional a somar a tantas outras.
12.1.15
António Borges de Carvalho