DESCANSAI, Ó GENTES
Nos já recuados tempos da II República, conheci um alto funcionário público que, quando alguém lhe pedia um favor, respondia: “fique descansado...”. Quando o outro virava costas, o nosso homem continuava “...que eu também fico”.
Mutatis mutandis, é mais ou menos o que se vai passando na III República, ainda que corrigido, aumentado e desgraçado. O ministro Costa, há para aí dez anos, fundou a “protecção civil”. Disse-nos que ficássemos descansados. Ficou descansado. O mesmo indivíduo, com a desculpa da “poupança”, tirou meios ao SIRESP. Ficou descansado. Este ano, veio a tragédia de Pedrógão. A criatura disse que era uma chatice, mas que ia fazer mundos e fundos. Ficou descansado, e não fez nada. Responsabilidades, zero. Ficou descansado. De tal maneira que informou as hostes de que estava à espera de um relatório. À espera, ficou descansado. A sua amiga Constança recebeu mais uns relatórios. Ficou descansadíssima, ao ponto de desactivar aviões, bombeiros e vigilantes, decretando, com o apoio do chefe, o fim da fase “Charly”. O chefe descansou com ela. Veio nova tragédia. Costa disse umas coisas com a alta frieza do poder, e até pediu que não o fizessem rir. Ficou descansado. Veio o senhor de Belém, e deu-lhe uma memorável descasca. O homem anunciou um conselho de ministros para tratar do assunto. Ficou descansado. Amanhã, no conselho de ministros, tomará sonoras medidas, a concretizar sine die, e ficará descansado outra vez. Se a oposição discordar de alguma vírgula, mandará passear a oposição e dirá que é tudo chicana, partidarite e manobras dilatórias. Se houver azar, a culpa será da oposição. Voltará ao descanso. Daqui a um ano haverá menos incêndios porque já há menos para arder. Dirá que foi obra sua. E ficará descansado. Daqui a dois anos – o tempo suficiente para ficar descansado, espera-se que definitivamente – estará tudo mais ou menos na mesma.
Um descanso.
20.10.17