DIXIT!
30 de Maio de 2014, 19 horas e 35 minutos.
Na sala do trono, sítio das magnas decisões, o Imperador reuniu com seus validos, devidamente trajados, dando ao momento a merecida e habitual solenidade. Assim se manifesta, desde tempos imemoriais, o poder absoluto.
O povo aguardava, temeroso, a palavra sem recurso do grande deste terra, do maior, do omnipotente, da verdadeira sede do soberania, quem sabe se do poder divino, encarnado no Imperador por força do Livro de Horas do socialismo a que os tempos modernos e os zelotas profissionais chamam Constituição. O Imperador sabe que, segundo o mesmo Livro de Horas, poderia tomar uma ou outra decisão quanto ao que lhe era pedido pelo povo. Sabia também que podia recorrer a critérios de bom senso, de equidade e de justiça, a fim de não perturbar ainda mais a já difícil vida dos seus súbditos. Mas, se tal fizesse, poderiam as menos qualificadas franjas de tais ignaros achar que não tinha demonstrado o seu poder, coisa de que o Imperador é, acima de tudo, justificadamente cioso.
Chamou o seu costumado arauto e deu-lhe a palavra para ler o seu dictat. O povo ouviu mas não rejubilou, a não ser os mais primitivos exegetas do Livro de Horas. Estes vão continuar, fiéis ao Imperador, a prejudicar a solução dos problemas do povo.
O mais importante, porém, é que o poder absoluto do Imperador não foi beliscado. O poder é o poder. Os humores do Imperador são sagrados.
Longa vida e saúde ao nosso bem-amado Imperador!
Consta que Kim-jong-un, do outro lado do mundo, lhe vai mandar um telegrama.
30.5.2014
António Borges de Carvalho