DO AVANÇO DA BARBÁRIE
Quando, depois da sangueira da II Guerra Mundial, a paz foi restabelecida, a Europa, por um lado a braços com a gigantesca tarefa da reconstrução e, por outro, com a convicção de que jamais haveria outra guerra, pelo menos como aquela, curou do seu desenvolvimento e da criação de regimes de redistribuição que passaram a absorver cada vez mais meios e a subestimar a sua capacidade defensiva. A “corrida aos armamentos” era escopo das grandes potências, chegando a existência de armas nucleares para assegurar uma paz duradoura. À Europa livre bastava ir actualizando as suas forças, ao mesmo tempo que o Tratado do Atlântico a poupava a grandes preocupações. À excepção do Reino Unido e da França, nenhum país curou de conferir credibilidade própria, e séria, às suas forças armadas. Uma paz duradoura veio justificar esta política.
A partir pelo menos do mandato de Kenedy, os EUA começaram a fazer sentir que não era justo, ou prudente, que a Europa se mantivesse, em face dos graves problemas que enfrentava – os da guerra fria – quase exclusivamente “encostada” ao poder militar de além Atlântico. Surgiu a tese do “pilar Europeu da NATO”, desafio lançado por várias administrações americanas, com o objectivo, senão de equiparar militarmente a Europa e os EUA, pelo menos de mitigar o desiquilíbrio existente. A resposta a tal desafio foi fraca, ou quase nula. Outros objectivos “mais nobres” ou mais rentáveis eleitoralmente se sobrepunham a uma defesa que, se gravemente ameaçada, sempre teria o guarda-chuva americano. Foi, aliás, o que sucedeu na guerra da Jugoslávia - onde os americanos pouco interesse teriam - bem como noutro tipo de supervenientes conflitos em que a Europa, sem tal colaboração, teria sofrido muitos milhares de baixas.
Apesar disso, os orçamentos de defesa continuaram a conhecer generalizado e progressivo emagrecimento, vítimas das políticas sociais e da subjacente convicção de que alguém se ocuparia das tarefas mais difíceis, pagando-as, como é evidente.
Ora o que o tempo veio a mostrar foi (é) que as ameaças clássicas se têm agravado sem que se lhes vislumbre um fim. O interregno democrático ocorrido na Rússia foi rapidamente submergido pelo tradicional poder absoluto ou quase, aliás de acordo com a política secular daquela enorme e imperial país. Um candidato à NATO, a Ucrânia, viu já boa parte do deu território anexado por Putin, e está a braços com uma guerra que ninguém duvida ser muito mais um ataque do exército russo que uma revolta popular. Quando se diz, com punhos de renda, que os atacantes são “insurgentes”, “revoltosos”, “separatistas”, “russófonos”, com mais propriedade se deveria dizer que o exército russo, os meios russos, a logística russa, a política russa, etc. A diplomacia, ou o medo, têm destas coisas. Os poderes absolutos sempre se justificaram internamente com este tipo de atitudes. O Império russo, humilhado depois da queda da tirania soviética, está em vias de reconstrução. A Europa não tem vontade política para se lhe opor militarmente e, o que é pior, não tem poder capaz de, sem recurso à força, dissuadir o ressurgimento imperial que os ataques que lhe são dirigidos significam.
Acresce que o mundo civilizado está mais preocupado e focalizado pela guerra ao imparável terrorismo, passando as ameaças clássicas para segundo plano. Pode compreender-se que assim seja, mas seria de desejar que uma coisa não fizesse esquecer a outra. Ambas deveriam merecer a maior das atenções. A fim de que a contemporização das democracias com a arrancada nazi de 38/39 se não repita, nem se repitam os seus resultados. Acordar, antes a horas do que tarde demais.
28.2.15
Aantónio Borges de Carvalho