DO EQUILÍBRIO INTERIOR DE FREITAS DO AMARAL
Como democrata, também não gostei nada do estilo neoautoritário do primeiro-ministro, que aos poucos conseguiu controlar quase todos os órgãos de comunicação social.
Freitas do Amaral, “Visão”, 10.9.15
É sempre difícil julgar as pessoas, fazer apreciações quanto ao carácter de cada um, avaliar da coerência ou da dignidade seja de quem for. A subjectividade impera nestas coisas mais do que seria de desejar.
No entanto, quando as pessoas se expõem, quando as avaliações são feitas a partir das atitudes que tomam e que são propagandeadas pelos próprios, no exercício do direito que, com todo o direito, se atribuem de influenciar a cabeça dos outros, torna-se legítimo fazê-lo com critérios a que assista objectividade q.b..
Vem esta arenga a propósito das muitas afirmações e atitudes que, ao longo duma já longa vida, vêm constituindo a “montra” de uma personalidade como a de Diogo Freitas do Amaral, de que é triste exemplo a declaração acima, totalmente eivada de mentira, raiva, cegueira e primitivismo.
Lembro-me de um almoço de rapazolas em que, bebidos uns copos, dedilhadas umas guitarras, cantados uns fadunchos, a coisa descambou em mais copos e nas ordinarices da praxe. A malta ria, e ia exagerando, como é natural nestas quase infantis manifestações. Diogo não ria. Quando a coisa estava no seu melhor, decidiu ir-se embora. Porquê?, perguntei. Respondeu: “isto prejudica o meu equilíbrio interior”. Confesso que aquela do “equilíbrio interior” me embasbacou.
O futuro, no entanto, viria a demonstrar a fragilidade do tal equilíbrio.
Filho da ala mais conservadora da II República, afilhado intelectual e académico de Marcelo Caetano, Diogo, diz-se, estava interessado em integrar o governo da respectiva “primavera”. Dizem que não terá levado a bem ter ficado de fora, nem sequer sendo convidado para integrar o célebre Secretariado Técnico da Presidência do Conselho, onde pontificavam jovens cérebros da época, tais Xavier Pintado, João Cravinho, João Salgueiro e outros mais que viriam a ser gente na III República.
Não se sabe se foi por isso, mas pode intuir-se já que, muitos anos mais tarde, Marcelo Caetano foi objecto de uma vergonhosa peça teatral da autoria do seu ex-discípulo. Começava aqui a revelar-se a verdadeira face de Freitas do Amaral, ou da sua falta de “equilíbrio interior”.
No auge do período comunista, Freitas do Amaral fundou o CDS, partido da direita democrática nacional que havia de concitar os votos dos descontentes com o fim da II República, e de muitos mais. Intitulado do centro, rotulado de democrata cristão, o CDS, honra lhe seja, era o único partido que dava resposta às ânsias de muita e boa gente e que não se declarava socialista ou social-democrata. Lembro-me de, à época, o considerar à minha direita, sem prejuízo de o achar indispensável ao equilíbrio político do sistema e de funcionar como um tampão ao reacender da extrema-direita.
Sob a sua chefia, o CDS viria a integrar a AD, formação de centro, que havia de triunfar e que viria a acabar depois de decapitada por um atentado, seguido das zangas que fomentou com Balsemão. Mais tarde, Freitas do Amaral seria, como candidato a PR, a referência do centro e da direita. Foi perseguido e insultado por Mário Soares, que acabou por vencê-lo por uma unha negra. Depois da derrota, criou a Fundação século XXI, destinada a continuar a luta, dele e de muitos mais, contra o socialismo. Parecia ter aprendido a lição, não só a da sua luta eleitoral como a da experiência falhada num governo em que se tinha associado ao PS.
Passou o tempo. Um dia, anunciaram os jornais que Mário Soares tinha assistido, na primeira fila, ao casamento de uma filha de Diogo. Os que o tinham apoiado sentiram-se traídos. Então Freitas do Amaral tinha-se tornado amigo pessoal e íntimo de quem o tinha insultado perante o país inteiro? Terá sido mais um sinal público dos seus problemas de “equilíbrio interior”.
Step by step, tais problemas acentuaram-se. Ao ponto de, anos depois, aparecer ao lado de Pinto de Sousa, como seu ministro dos negócios estrangeiros.
O promotor do partido mais à direita do país, o vice de Sá Carneiro, o representante da direita em dramáticas eleições presidenciais, acaba como servo fiel do soarismo e do socretinismo, como lançador de “bocas” do mais ordinário contra o seu partido e o partido a ele aliado. Desculpando-se com a máscara de democrata cristão, acusa, como acima está escrito, o único PM que jamais tocou na fímbria das vestes dos media, de os “controlar” e de ser, valha-nos Deus, “autoritário”. Tanta mentira em meia dúzia de palavras.
Talvez, depois daquele almoço numa tasca da Calçada do Sacramento, nunca mais tenha recuperado o tal “equilíbrio interior”. Boa desculpa minha para não lhe definir o carácter.
13.9.15