DOS VALORES DA DELAÇÃO
Em tempos que já lá vão, um delator era um delator, também conhecido por bufo e por outras pejorativas designações. Era o colaborador ideal das polícias políticas, dos espiões industriais e sociais, a “testemunha secreta” dos jornalistas baratos e de gente dessa igualha. Provocavam o merecido desprezo por parte das pessoas normais e também da justiça, salvo casos de carácter pidesco. Era uma “profissão” discreta, escondida de todos os que não fossem mais próximos capangas dos seus clientes.
Os bufos de hoje são mais sofisticados, sabem de informática e, em vez de andar a ouvir conversas no café ou atrás das portas, em vez de penetrar nos escritórios ou casas de cada um, entram na correspondência alheia sem cuidar de quaisquer direitos, penetram em contas bancárias sem mandato, alimentam a intrigalhada política e mais o que lhes der na gana. Ganham a vida com isso e têm os favores da opinião pública, hoje educada para o imediatismo do ódio e para os julgamentos sem intervenção policial e sem legitimidade investigatória ou judicial.
O Estado de Direito, o Primado da Lei, foram para o caixote do lixo, ou foi a sociedade que adoptou fundamentos “morais” que não constam de nenhuma declaração de direitos? Ou uma mistura dos dois? Quem souber que o diga.
Os maiores bufos deste mundo são incensados, elogiados, postos nos altares do ódio e, se perseguidos pela Lei, são perdoados, amnistiados, desculpados. Os poderes públicos, quando lhes convém, cooperam activamente com a sociedade. Há até penetrações em segredos militares internos de um país que deixaram de ser levados à conta de traição ou de espionagem. Sobre um tal Pinto, espião informático por conta própria que, perseguido pelo que resta das autoridades portuguesas, se diverte a dizer do seu país o que mafoma não diz do porco, a nossa opinião pública, tão afoita a condenar o que lhe vier à mão, nada opina, ou até aprova. Um alarve do mais radical, um pide de alma e coração, um ladrão de correspondência privada sem mandato outro que não seja o do próprio, não merece críticas sociais ou condenações dos nossos opiniosos e exigentes comunicadores. O senhor Pinto pode caluniar ou acusar quem muito bem lhe apetecer sem que ninguém ponha a nu a ignomínia da sua vida nem ponha em causa as suas acusações ou meio que utiliza.
Pois é. Vão dizer que vivo no século passado, que os meus valores caíram em desuso, que sou um velho do Restelo que não acredita nas descobertas do senhor Pinto. Não têm razão. Não vivo no século passado. Para ser verdadeitamente moderno vivo vários séculos mais atrás, quando bastava um sopro de denúncia para um tipo ir parar à fogueira. É, mutatis mutandis, o que a nova moral estabelece, com o incondicional apoio da forças “progressitas” e dos ódios primários que animam a vilanagem.
10.3.19