ELES É QUE SABEM
Anda meio mundo muito preocupado com as barrigas de aluguer. Parece que, segundo a nova moral, tais barrigas não são de aluguer, que ideia, são de borla. Uma generosíssima senhora, comovida com a situação de um casal infértil – não sei se um casal propriamente dito ou se há outras modalidades incluídas – oferece-se para gerar uma criancinha a partir de material genético do referido casal. E pronto, passados nove meses, se tudo correr bem, nasce o novo cidadão, todo rosado, gordinho e bem disposto. Ao ver tão bela criatura, a senhora que a pariu tem um ataque de ternura e fica com ela. Fica, ou não fica?
Não percebo a dúvida que vem assaltando os legisladores, os neomoralistas, os geringonços, o Presidente, o Tribunal Constitucional, os juristas, os especialistas em direitos humanos, os teóricos, os filósofos, os jornalistas... É que contratos são contratos, mesmo que gratuitos. A tal senhora dispôs-se a gerar e parir um filho de terceiros, sendo tal filho daqueles e não dela. Mas, dizem os especialistas, pode decidir, legalmente, ficar com ele, sob pena de grave atentado aos seus “direitos”.
Você empresta, ou aluga a um amigo, uma courela. O seu amigo lavra a courela, rega-a, semeia-a e, como é evidente, fica com as couves. Mas o seu amigo, bem vistas as coisas, resolve, com protecção legal, apoderar-se delas. Você fica a arder. Acha bem? Não acha. Ninguém, no seu perfeito juízo, achará o contrário. A courela foi a barriga de aluguer. O produto é do seu amigo, não é seu, ninguém o porá em dúvida.
No caso das barrigas de senhora, porém, diz a neomoral, que ela – a sua amiga – pode apoderar-se do produto das suas sementes, tendo um prazo para exercer tal “direito”, ou seja, para infirmar os termos do contrato celebrado, para faltar à palavra dada, para se locupletar com o que seu não é.
Pode fazê-lo? Evidentemente, não pode, não tem esse direito. Mas não é o que pensam os que têm em Portugal, o direito de pensar pelos outros, os donos da nova moral. Eles é que sabem.
29.8.19