ENÉRGICOS CERTIFICADOS
A fúria eco-sacadora da modernidade tem coisas que talvez o Pinto de Sousa, ou o jovem fundamentalista que é agora ministro do ambiente fossem capazes de explicar, mas que escapam ao entendimento do ignaro cidadão comum.
Uma das muitas inflorescências de tal fúria é a história do “certificado energético”. O cidadão não pode mexer uma palha sem o tal certificado: nem comprar, nem vender, nem alugar, nem fazer obras, nada sem ter na mão o tal certificado. É coagido a contactar uma organização qualquer que esteja, ela mesmo, certificada para o efeito. Na linguagem oficial, a este dictat chama-se “pedido”, quer dizer, gostosamente, o cidadão “pede” que lhe passem um papel que é obrigado a “pedir”.
Feito o pedido, aparece-lhe um tipo, normalmente um “engenheiro”, com um computador na mão. Em cinco minutos, o tipo “examina” o local, carrega nuns botões e, ó tecnologia!, tira da maquineta um papel cheio de risquinhos com as cores do arco da velha, e pronto. Você, felicíssimo, passa a ter o almejado certificado. Para que serve? Para tudo, menos para ter alguma coisa a ver, seja com os seus interesses, seja com a energia. Esta surge quando o dito “engenheiro” saca do equipamento uma factura que, para um andarzeco de xaxa, anda à volta dos 250 euros, a pagar e não piar ali mesmo, sob pena de ficar sem o precioso papel. A burocracite nacional agradece, e você vai poder instruir com o tal papel todo e qualquer processo que tenha a ver com o andarzeco , coisa que não percebe nem quer perceber.
O papel, para além de ter que se juntar a outros papéis, não serve para nada. Haverá por isso que procurar a razão última pela qual você não pode deixar de fazer o tal “pedido”, e pagá-lo, como é óbvio. O “engenheiro”, coitado, fartou-se de trabalhar, não é? Tudo para seu descanso, segurança administrativa e incontida felicidade, como é óbvio.
Segundo a “agência” que trata destes assuntos, só nos primeiros três meses deste ano, foram “pedidos”, e passados, 26.200 papéis. Fazendo a conta, por defeito, a uma média de 250 euros por papel, teremos 6.550.000 euros. Se atentarmos a mais informações da tal agência, teremos que, de Junho de 2007 (altura em que o negócio começou) até Março deste ano, foram contabilizados cerca de 663.000 papéis, o que quer dizer que os “engenheiros” e a “agência” forraram 170.750.000 euros, todos saídos do seu bolso e de mais uns milhões de pacóvios.
Dirão a agência, o Pinto de Sousa e o ministro do ambiente, que você demonstrou, ao pedir o papel, elevada “consciência ecológica”, seja lá isso o que for. Uma coisa é, de certeza: uma maneira de sacar uns milhões, a benefício dos ideólogos destas matérias, em Lisboa e em Bruxelas.
Lá que seja preciso pagar o molho de bróculos em que estamos metidos, vá. Lá que haja mais impostos e menos ordenados e reformas, paciência. Mas que se criem agências destinadas a sacar massa para coisa nenhuma – para além da consolação da burocracia –, isso não. Já chega o que já chega.
6.7.14
António Borges de Carvalho