EU PECADOR
Eu pecador me confesso, em dolorosa contrição. É que não só sou um inveterado consumidor de peixe, como, ainda por cima, sou nacional dum país que é o que mais peixe come. Daí, a minha “pegada ecológica” ser um tenebroso pecado contra o bacalhau, a sardinha, o salmonete (um pecadão, o salmonete!), contra a Terra, o Mar, as espécies e mais tudo o que as estatísticas e a ONU entenderem por bem. O meu país, por seu lado, está comigo nesta desgraçada circunstância, um rogue state ao pé do qual o Boko Haram e o Estado Islâmico não passam de doces grupinhos de meninos da escola.
Pelo menos, é o que diz a “ciência”. O bacalhau e o salmonete têm a mais sagrada das prioridades sobre os meus tenebrosos hábitos e o meu pobre país. A “ciência” evolui, neste como em muitos outros casos. Verdade é que andámos décadas e ouvir a “ciência” proclamar que devíamos comer peixe. Agora, peixe nem pensar, por causa do planeta, das reservas de camarão e de outras novas verdades "científicas” e estatísticas.
A tão graves pecados junto outros, talvez ainda piores. É que, imagine-se, nada fiz, por exemplo, contra a gripe das aves, não matei os pombos dos jardins em nome da saúde universal, não declarei guerra aos chineses, que têm triliões de perigosíssimas galinhas, não entrei em pânico por causa das vacas loucas, os açorianos continuam a viver à custa das vacas que dão traques cheios de CO2, e eu - o meu país comigo - ainda não me manifestei sobre a ingente necessidade de afundar o arquipélago, ainda não vim para rua pedir umas bombas de hidrogénio para dar cabo daquilo tudo.
E os chouriços? A “ciência” não quer que eu coma tal coisa. A ONU, pretendente ao governo universal - e muito bem porque é a dona da “ciência certa e irrefutável” - bem me avisa contra os pecados da carne, mas eu, inimigo confesso do planeta e da humanidade, ainda me regalo com pregos no prato e bifanas à maneira.
E o quecimento global, que a “ciência estabelecida” já declarou irreversível, catastrófico, mortal, tudo por minha culpa? Eu continuo a andar em carros com mais de quinze anos sem respeito por nada nem por ninguém, continuo indiferente às consequências do meu comportamento. Que universal castigo mereço?
Enquanto a espécie humana, sob o indiscutível comando da ONU e de outros detentores da “ciência estabelecida”, vive no justificado terror que os chouriços, os salmonetes, as vacas, o CO2, os papagaios infundem, e treme do mais justificado terror, eu, pecador, continuo a pecar todos os dias, sem contrição nem arrependimento. Não pode ser!
Que castigo mereço? A morte? É pouco, porque, com a morte, seremos todos castigados. Até os puros, os ecologicamente castos, os funcionários da ONU, os vegetarianos, as gentes que não comem chouriços e viajam nuns carros cheios de ecológicas martingalas, os que dizem não ao bacalhau e tantos outros cidadãos “conscientes”, estão condenados a morrer.
Então, o quê? Que castigo? Talvez o de ter que aturar esta malta, planetária dona do terror, da ameaça, da limitação de liberdades, fabricante e arauta de medos. Sim! Aturar esta malta é o pior dos castigos.
31.10.15