EXÉQUIAS
Há muitos anos, alguém, na Assembleia Municipal de Lisboa, propôs um voto de pesar pela morte de Marcelo Caetano, ocorrida no seu exílio brasileiro. Com inigualável cinismo e alguma piada, depois de votar, um deputado fez a seguinte declaração: “aprovei esta moção porque, como dizia Caracala, aos mortos deve-se sempre a maior das homenagens, desde que tenhamos a certeza de que estão bem mortos”.
Morto o galego das Caraíbas, nem imitando “Caracala”, prestarei tributo ao seu cadáver. Pela mesma razão que não me curvo perante a memória de Hitler, de Estaline, ou de qualquer outro tirano.
Talvez o maior atraso moral, educacional e político da civilização em geral seja o de, perante a morte, esquecer o que os mortos fizeram, quando muito mal fizeram. Entre nós, pior ainda. Já os mais crentes do bolchevismo, por essa Europa fora (Itália, França, Espanha…) “acordavam” perante as evidências, “reciclavam” as suas ideias e reconheciam os seus repugnantes efeitos, e ainda, entre nós, sobrevivia, em toda a sua “pureza”, a fé no estalinismo. Pior ainda: testemunhando o nosso atraso, tal fé ainda existe; os que lutaram pela sua implantação continuam a ser tratados como “combatentes da liberdade”; os seguidores do mais primário sovietismo, mascarados de democratas, nunca abjuraram da sua fé, sequer se propuseram qualquer reciclagem.
Por tudo isto e muito mais, sinto uma imensa vergonha pelas lamentações e homenagens que, segundo me dizem, fazem caminho, hoje, no meu país. Sinto uma imensa vergonha por ter visto o Presidente da minha triste República, há poucos dias, ir prestar, pessoalmente e em meu nome, os seus respeitos ao tirano de Cuba, sem que, ao menos, qualquer alegação de realpolitik o justificasse.
Nem “bem morto”, Fidel merece qualquer estima.
Bem vivo, Marcelo também não.
26.11.16