FARSA, ÓPERA BUFA OU TRAGÉDIA GREGA?
1º ACTO
A peça começou uns cinco dias antes da greve anunciada. O governo lançou uma campanha de “prevenção” de proporções ciclópicas, a fazer lembrar os sustos dos tempos das vacas loucas ou da gripe das aves. O povo, devidamente aterrorizado, encheu os depósitos.
2º ACTO
Começa a greve. Dezoito ministros e quarenta e quatro secretários de Estado ocupam a televisão e os jornais, ao ponto de ultrapassar os tempos de antena dos teóricos da bola, ainda que entremeados por um damagogo de fancaria, conhecido por Pardal. Nunca visto. As ameaças sobem de tom, o povo teme a falta de nabiças e de carapaus, a tensão aumenta. Já há quem compre quantidade industriais de sardinhas em lata e de petingas para congelar. Satisfeito, o governo dá mostras de grande autoridade. Os grevistas fazem piquetes de febras de porco, bejecas e tintol. Os partidos comunistas dão mostras de nervosismo.
3º ACTO
No centro de trabalho das minas da Panasqueira, Jerónimo reune os seus áulicos. Que fazer?, diria o grande Lenine em semelhantes assados. Camaradas, devemos apoiar a greve, por respeito à nossa política de defesa de todas as greves? Não é bem assim, diz o camarada Arménio, nós apoiamos as greves verdadeiras, as que são devidamente enquadradas pelas nossas vanguardas organizadas! Esta greve é, objectivamente, uma consequência dos avanços do capitalismo selvagem, do populismo da direita e das ordens das centrais fascistas. O comité aplaude em uníssono. Jerónimo, atrapalhado, repete a máxima de Lenine: que fazer? Gera-se na sala um estremeção colectivo e colectivista. Intervalo para pensar. Greves sim, diz o chefe da célula do Fogueteiro, mas desde que haja vanguardas progressistas a comandá-las! Novos aplausos. A reunião acaba sem atingir qualquer objectivo concreto. Vou pensar, declara o Arménio. Os militantes, crentes no discernimento do grande educador da CGTP, vão mais descansados para casa.
4º ACTO
Os ministros acotovelam-se à porta das televisões. A coisa está feia. O Pardal ameaça. Há que tomar atitudes, mostrar quem manda. Em mangas de camisa (o Pedro Nuno com a dita de fora), vão tomar um café a São Bento. Temos que fazer uma demonstração de força que vá muito para além dos serviços mínimos. Aliás, diz o barbaças, consta que há dois tipos que não os cumpriram e sete aldrabões que meteram baixa. O chefe, indignado, toma a palavra (honrada, diz ele). Temos que mostrar mais músculo. Senhor Cravo, ou Cravinho, já não me lembro, faça favor de pôr a tropa na rua! Isso não, gemeu o Cabrita, eu tenho forças à minha disposição, a tropa, de momento, não é precisa, até podia cair mal. Eu trato da PSP e da GNR. O chefe aceita esta sensata posição.
5º ACTO
O comité central reune para ouvir o camarada Arménio. Do púlpito, o grande educador explica: temos que combater com as nossas armas. Mandei mobilizar os camaradas das nabiças e dos carapaus e vou, com eles, fazer um acordo com o patronato reaccionário, e deixar o Pardal a falar sozinho. Os camaradas vão nisso? Ouve-se esta importante questão, a que o Arménio responde: as vanguardas organizadas é que determinam o resultado, não são os camaradas lá de baixo! Aplausos, vivas, moções de confiança no Arménio aprovadas por aclamação. Segue-se um telefonema ao Pedro Nuno, a explicar a marosca. Pedro Nuno rejubila. Ó Arménio, manda cá os teus rapazes e a gente fabrica com eles um acordo qualquer.
6º ACTO
Dona Catarina surge, graciosa, a dar uma de democrata:mau grado certas manobras desestabilizadoras, a greve é sagrada e o meu marido tem o depósito cheio. Jerónimo, certo de que a coisa vai funcionar, dá duas na ferradura. Dona Cristas, ciente da oportunidade, defende mudanças na lei da greve, sem dizer quais. O Riacho diz que. O tipo do PAN concorda com a dona Cristas desde que os cães e as alforrecas sejam abranjidos.
7º ACTO
Pelos campos, pelas ruas das cidades e das vilas, pelos portos, pelas minas, pelo orbe inteiro, ribombam os arautos do governo e repetem os trombones da informação: grande vitória da democracia, do dr. Costa, do engº PN Santos e do PS. Mostrámos força, quem se mete conosco leva, como diz o nosso ideólogo Silva. E os camaradas do PC mostraram a sua fidelidade à geringonça. Óptimo!
EPÍLOGO
Ainda não se sabe qual vai ser o fim dos fins. Seja como for, está demonstrado que o susto funcionou. O dramaturgo retira-se com a impressão optimista de alguém virá desmascarar esta gente toda.
19.8.19