HISTÓRIA E HISTÓRIAS
Anda para aí uma campanha de louvaminhas aos frequentadores da velha Casa de Estudantes do Império, entre os quais se contavam pessoas de bem, assassinos, chefes tribais e, sobretudo, aderentes ao bolchevismo então ainda em voga em círculos europeus e africanos.
No fundo, bem lá no fundo, trata-se de, literalmente, branquear a descolonização, dita exemplar pelos seus principais autores. Tal exemplaridade ficou bem expressa em dezenas de anos de guerras, massacres, assassínio políticos, centenas de milhares de mortos, fome, tortura, destruição económica, miséria humana e marxismo primário, pelo menos nos pricipais territórios do Império, bem como na expulsão ultra-racista de quase um milhão de brancos que por lá mourejavam.
Pois bem, numa luzida sessão da tal campanha o senhor Jorge Sampaio adiantou a brilhante ideia de que é preciso “reescrever a História”, já que “não há apenas uma verdade” sobre o assunto. Muito bem. O problema é que a tal “reescrita”, nas palavras, na cabeça e na intenção do proponente não pode deixar de ser a aceitação e louvor do que se passou e dos seus protagonistas, como bem o prova a postura política, não histórica, de há longos anos afirmada e reiterada pelo dito.
Não tarda que historiadores encartados se encarreguem de pôr os pontos nos is: o Infante passará a ser um furioso esclavagista, Dom João II será uma besta, Vasco da Gama nunca devia ter nascido, o Cabral não passava de um marujo de segunda e por aí fora; os soldados portugueses que por lá perderam anos de vida serão transformados numa corja de bandoleiros; foi tudo uma vergonha e, bem vistas as coisas, a verdadeira história começou com a honrosíssima fuga dos “militares de Abril” em 74/75 e com os “acordos” político-militares gloriosamente celebrados, traídos, ignorados ou levados por diante . O Rosa Coutinho passará a merecer o Panteão da República e o Agostinho Neto transformar-se-á num doce paizinho.
É evidente – já o tenho dito várias vezes – que a II República não soube, ou não quis, preparar o fim do Império em condições de dignidade nacional e de respeito pelo futuro dos “descolonizados”. Mas não é menos verdade que a forma como esse futuro foi iniciado não podia ter sido menos “exemplar”, para dizer o menos.
Temo que a iniciativa (mais uma!) do senhor Sampaio redunde, como manda o politicamente correcto, em mais um tiro na alma de todos nós, se é que tal coisa ainda existe.
30.5.15