INCONSEGUIMENTO
A nossa speaker, especialista em neologismos bacocos e frases sem sentido, deve estar tristíssima por ter conseguido mais um dos seus “inconseguimentos”.
Lembrou-se de propor que umas comemorações dos 40 anos do 25 fossem pagas por mecenas. A ideia é interessante e, não vivêssemos em Portugal, até podia ter pernas para andar.
Não contava a ilustre senhora com as reacções que a ideia suscitaria. De imediato, ouviu-se, categórico, o pífaro roufenho da intolerável Maria de Belém, a entoar a cantiga da dignidade das instituições. A proposta “não é conforme com a dignidade da data”, diz ela, tremebunda e esganiçada. O resto da malta afinou pelo mesmo diapasão. Outra coisa não seria de esperar.
Carradas de razão. Que diabo, não somos anglo-saxónicos, somos latinos, gaita! O que tem a sociedade que se meter em assuntos de Estado? O Estado é o Estado, comemora-se a si próprio sem interferências “indignas”! Isso do mecenato tem a ver com dinheiros que não têm a “dignidade” dos dinheiros do Estado, cuja origem social é coisa para esquecer. Tem a ver com tipos que andam à procura de benefícios fiscais, uma malandragem sem nome.
Poder-se-ia recorrer à subscrição pública. Mas é coisa de idos tempos, em que se construia aquedutos com esmolas, coisas da monarquia, ainda por cima absoluta! Nem pensar!
Vamos um pouco atrás. O IRRITADO nasceu quando o 5 de Outubro já tinha 40 anos, que é o que acontece hoje ao 25 de Abril. Quando o IRRITADO começou a ter cabeça para pensar, para além de uma dúzia de cómicos que se juntavam, nesse dia, à volta da estátua do António José de Almeida e no Alto da São João, já pouco havia quem ligasse ao 5 de Outubro. Não havia proximidade para sentir a data, nem distância para a julgar. O 5 de Outubro só viria a ser apreciado, e desmascarado, cem anos depois da dita data.
Com o 25 de Abril é mais ou menos a mesma coisa. Nem memória, nem distância crítica. Tal tempo virá, mas falta ainda muito tempo. Como, felizmente – graças ao 25 de Novembro -, vivemos em liberdade, a dúzia de cómicos é substituída por uns milhares de manifestantes que acham que tal dia era a madrugada do socialismo, não da democracia. Os outros ficam em casa, ou gozam o feriado como lhes apetecer. Nada mau.
Por tudo isto, justificava-se a ideia de tentar meter a sociedadde no financiamento das comemorações, pô-la a participar nelas, alargá-las para lá dos adeptos do socialismo e das fronteiras o Estado formal. Mas, por medo de um flop ou por estupidez ideológica, nem pensar! O Estado é sacrossanto, não pode confundir-se com a canalha.
Lamentemos o inconseguimento da dona Assunção e, se houver sol, até podemos ir à praia comemorar com uma bejecas bem geladinhas.
14.2.14
António Borges de Carvalho