JOGADAS MAGISTRAIS
O camarada Centeno, de repente, deve ter percebido que o diabo, afinal, anda por aí à espreita de uma oportunidade para entrar pela porta dentro. Meio borrado de medo, meio empurrado pelos tipos do euro, resolveu dar uma de juízo e um arzinho de bom senso. Deve ter avisado o chefe de que não tinha outro remédio senão apertar o cinto e guardar uns cobres por causa do mafarrico.
O chefe assustou-se. Mas não se impressionou, não estremeceu. Temos que montar um esquema, estás a perceber? Sim um esquema, como faziam os angolanos no tempo do “socialismo esquemático”, ou mais ou menos. Eu aceito as tuas ideias, mas temos que lhes dar um molho qualquer para adoçar a pílula. Eu sei, eu sei que é uma chatice. Não vem nada a calhar, sobretudo agora que tínhamos metido o Rio no bolso, que temos os comunas e as malucas nos varais, tudo a correr pelo melhor, estavam até o Caramba mais o Nunes, o Alegre, o Arnaud (substituído pela Maria de Belém hi hi) numa boa, e lá vens tu com fosquinhas sem mais nem menos...
Centeno estremeceu. Qual esquema?, indagou. Olha, é simples, tu fazes um discurso, uma entrevista, uma conferência de imprensa, uma coisa qualquer que ponha os camaradas dos partidos amigos e os nossos mais esquerdocráticos aos gritos. Dizes que não há nada para ninguém, não há aumentos para os funcionários, nem mais um chavo de despezas, etc. Os gajos entram em polvorosa, desatam a ameaçar, publicam manifestos, põem o Arménio com a tropa na rua, enfim, as receitas do costume. O Rio fica caladinho, que é o melhor que sabe fazer. É preciso que exageres um bocado e guardes uns trocos para eu fazer um brilharete, como fiz quando atirei uns milhões à cara da canalha da cultura, estás a perceber? Começo por dizer que estou de acordo contigo e digo ao Santos Silva para mandar umas bocas tipo Tony Blair. As coisas agravam-se. Deixo passar uns dias. Depois, ó surpreza, dou uns sinaiszinhos de abertura, sem dar grandes esperanças. A seguir, basta dizer que sim, que estamos a estudar os aumentos. A cáfila respira fundo. Os estudos, como todos os estudos, levam o seu tempo. No caso, o tempo será o das eleições, estás a perceber?
Centeno abriu a boca. Que génio, que chefe, que homem, assim é que é! De acordo, mais que de acordo, vou preparar as coisas, tenho argumentos para tudo. Fico como o mau da fita como o tipo da cultura, não me importo, desde que, patrioticamente, a solidez da geringonaça e a estabilidade política venham a ser salvaguardadas por Vossa Excelência.
*
Como é sabido, a coisa resultou à maravilha. Até vieram notícias a falar da perda de poder de compra dos funcionários & companhia, a fim de que, magistralmente, salvificamente, o chefe venha, no momento próprio, anunciar que vai começar a grande recuperação, a restituição, os aumentos. Ficará a promessa, a sossegar as massas. Depois, quaisquer peanuts servem para se falar de “palavra honrada".
23.4.18