JUSTIÇA SOCIALISTA
Você, meu caro, é um alarve. Não gosta de máscaras, não gosta de estar fechado em casa, não gosta de não poder passear sem cão, não gosta de não se poder sentar no banco do jardim onde lia o jornal, jantou com a família a 24 de Dezembro, acha que é um crime manter as criancinhas em casa a olhar para a pantalha, enfermiças, tristes, enfim, segundo o governo, altamente representado por eminências do calibre do Cabrita e da Temido, é um inimigo público, um malandro que não não se delicia com as perorações das excelências de Belém e de São Bento. Você é a incarnação do mal, pior que o covide. Aliás, segundo as mesmas fontes, o espalhar das infecções é culpa sua, de mais ninguém. O covide não fez mais que aproveitar-se das suas maldades para avançar a passos largos na sua tenebrosa actividade.
Você, além de culpado é estúpido. Tem a mania de ir ver uns números que não têm nada a ver com os do governo, bem como com os dos especialistas e artistas convidados para espalhar o terror. Comete o crime de se recusar a ser bombardeado pelas televisões e pelos jornais na sua nobre missão de o assustar, o encher de medos, de ódio ao seu semelhante, de aumentar a antropofobia que lhe meteram na cabeça. Olha para os números e vê que houve muito covide em Março, que o covide se foi embora a seguir, quase desapareceu no Verão, surgiu outra vez em fins de Dezembro para se estar a ir embora no dealbar da Primavera. Verifica que tal não teve absolutamente nada a ver com o seu Natal, que a coisa anda para cima e para baixo sem ter nada a ver com confinamentos, que não há relação directa do sobe e desce com os confinamentos de cada um. Você é um negacionista, um covidiota, quiçá um nazi encapotado ou um estalinista a fazer inveja ao PC.
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E se você cometeu o hediondo crime de ir passar uma semana nas doces praias dos brasis, então merece o anátema final, a excomhunhão, o opróbrio. O governo vinga-se, como é seu irrefutável direito. Você comprou uma ida e volta à TAP. O governo proibiu os voos de regresso. Você ficou mais de um mês a pagar estadia, comes e bebes, se calhar está quase teso, não pode ir ao trabalho e o patrão a marcar faltas, e ainda não sabe quando volta. Um mês depois da proibição dos voos, o governo, generosamente, arranjou um avião para o ir buscar não se sabe quando – atitude heróica se pensarmos na escassez de aviões disponíveis, não é? É claro que com uns míseros mil e tal euros, pode viajar até Paris ou Fankfurt e daí para Lisboa. Deita fora o bilhete da nossa maravilhosa “companhia de bandeira” e diz adeus ao dinheiro que gastou. Quando cá chegar metem-lhe umas zaragatoas pela goelha abaixo e pelo nariz acima, e mandam que se confine mais umas duas semaninhas.
E se você não tinha bilhete de volta? Aí, como é justo, tem que pagar. Quanto? O governo não tem nada com isso. A companhia de bandeira começou em 800 euros e, anteontem, já ia em 1.350. Hoje não sei, mas se se atrazar vá preparando uns 2.000 ou mais, que não merece outra coisa.
O que é que você queria? Enquanto a Pátria se debate com o covide, você vai a banhos para o Brasil. Devia ser preso. Não é. Sabe porquê? Porque o nosso socialismo ainda não entrou numa fase “real”. Além disso, não temos uma Sibéria à mão.
26.2.21