LISBOA DE RASTOS
Imagine que, sendo homem, casou com uma eslovaca, ou, que, sendo mulher, casou com um maliano. Quando digo “casou”, faço-o em sentido moderno, mas mitigado. Explico: casar, à moderna, pode querer dizer várias coisas, como concubinato, juntar os trapinhos, união de facto, namoro, casamento civil, religioso, ou outra coisa qualquer, hoje sinónimos. Muito bem ou muito mal, mas que passe. Mitigado quer dizer que é coisa entre homens e mulheres, não entre mulheres e mulheres, não entre homens e homens. Disso não como, que já sou velho e tenho fraco estômago.
Voltando ao princípio, você vive com a eslovaca ou maliano durante quinze anos. Depois, morre. Uma chatice. A eslovaca e o maliano ficam a viver em Portugal nos vinte anos seguintes. Mas, surpresa das surpresas, nem a eslovaca nem o maliano falam uma palavra de português. Trinta e cinco anos a viver consigo e no seu país, e zero.
Porquê? Há duas hipóteses: ou são completamente estúpidos ou, servindo-se de Portugal mas alardeando rasquíssima petulância, dedicam-lhe um soberano desprezo, um retorcido ódio.
Vem isto a propósito, como já devem ter percebido, de uma súbdita espanhola, viúva de um português, que anda por aí há décadas sem jamais ter aprendido a língua. Como de estúpida nada tem, vale a segunda hipótese.
Se fosse uma tipa qualquer, paciência. Mas não é. Pelo contrário. A Câmara de Lisboa, sem reacção popular que se veja, roja-se-lhe aos pés, dá-lhe um emblemático e histórico edifício, enche-a de honrarias. Tudo, claro, em homenagem ao falecido, prolixo escrevinhador, chato como o sarampo, que recebeu, sabe-se lá por que manobras, um chorudo prémio literário, à pala do qual a sobredita criatura se pavoneia por aí em castelhano.
A espanhola vê agora a sua olissipo-importância elevada à medínico-costista potência: uma praça histórica da cidade transformada em Largo José Saramago. Já lá estavam as cinzas do senhor, debaixo de simbólica oliveira, prova da camarária devoção. Já lá estava a fundação destinada a dar chorudo emprego à rica mulher. Faltava cuspir no secular e tão simpático nome do local, o Campo das Cebolas.
Pela enésima vez veio a criatura à TV do Estado dar largas ao seu castelhano, com legendas e tudo, para vincar bem o porquíssimo desprezo que nutre pela língua dos indígenas. Desta vez até arranjaram outra “hermana” para abrilhantar a cerimónia, mais uma vez na língua delas. Querem mais indignidade? É difícil.
Declaração de interesses: acho que o Rossio se devia chamar Rossio, não Praça Dom Pedro IV. Acho que o Areeiro se devia chamar Areeiro, não Praça Sá Carneiro. Acho que o Terreiro do Paço se devia chamar Terreiro do Paço, não Praça do Comércio. Aliás, talvez movidos por amor à tradição (coisa já condenada por diversas forças políticas), os lisboetas continuam a achamar Rossio ao Rossio, Areeiro ao Areeiro, Terreiro do Paço ao Terreiro do Paço. Como vêm, em matéria de toponímia nada de político me move. Só que, por este andar, ainda havemos de ver a Rua de São Bento passar a Rua Álvaro Cunhal, ou o Parque Eduardo Sétimo a Alameda António Costa.
Desta feita, espero que o Campo das Cebolas continue, pelo menos na boca dos meus concidadãos, a chamar-se Campo das Cebolas. Quanto a Saramago, convenhamos, ficava melhor na Zona J.
11.12.18