MARAVILHOSAS INTENÇÕES
A chamada descentralização é a menina bonita da discursata em voga. Ninguém sabe ao certo o que seja, mas toda a gente está de acordo. Ninguém sabe ao certo para que serve, como se fará, quais as consequências, as hipóteses de funcionamento, ou seja o que for. Como ninguém sabe nada, é uma maravilha, o verdadeiro consenso nacional, a unanimidae, a união, a “proximidade”, o diálogo, o interesse das populações, o futuro ridente e luminoso, a concórdia universal, o céu.
Seria bom pensar um bocadinho no mundo em que vivemos, antes de pensar no que queremos fazer com ele. As chamadas autarquias são um dos mais importantes produtores de burocracia que se conhece: a somar à selva de martingalas estatais, os municípios produzem regulamentos, inventam taxas, criam inferneiras de entraves, de requerimentos, de poderes administrativos sem peias ou limites, tudo somado a malhas de interesses e de fidelidades espúrias, de poderzinhos fácticos e funcionais, de guerras de papéis, tudo em nome do cidadão, contra o cidadão e à custa do cidadão. Ai de quem caia nas malhas do poder autárquico! A solução é ter uns amigos lá na câmara: assim, tudo se ultapassa. De outro modo, as mais das vezes a pena não vale a pena. Talvez eu esteja a exagerar: ele há também coisas relativamente simples, desde que se pague ou a taxa ou a gorgeta.
É em cima disto que o Estado quer construir a “descentraliação”, ou seja, é a isto que o Estado quer dar mais poder. Será bom? É legítimo duvidar. Como o Estado é, em si, um selva burocrática, pouco ou nada terá a ensinar. Descentralizar arrisca-se a não ser mais do que multiplicar por 350 os males de que o próprio Estado enferma, e somá-los aos seus.
Enfim, as boas almas tendem a dar ao Estado o benefício da dúvida. Depois, logo se vê. Os consensos estão na moda. As asneiras também.
22.2.18