MOEDA PÉSSIMA
O IRRITADO, por razões que pede escusa de referir, tem andado numa pausa, não diria moribunda, mas certamente preguiçosa, ou paspalhona. Desculpas são devidas aos poucos que o têm seguido pelos anos fora.
Então, meu palerma, mergulhados que estamos, e cada vez mais, na polcilga da nossa política, não há nada que te irrite? A resposta é: há, talvez mais do nunca. Mas é tanto, que, visto o que se vê, por onde começar? Por que ponta pegar?
O livro do Cavaco excitou o IRRITADO até mais do que os comentários ao silêncio do Costa no Conselho de Estado, coisa que fez correr rios de tinta, mas que tem a mais simples das explições: o fulano deu largas à sua natureza de labrego, e pronto. Não é novidade. Tinha escrito umas coisas sobre o assunto, mas achei que o blog não merecia entrar em tal esterco.
Já a cavacal literatura merece umas bocas. Não pelo que lá está mas pelo que motivou.
Porque será que as hostes das ratazanas do Rato e os seus muchachos opinativos entraram em histeria colectiva? Porque é que um político, por sinal o maior triunfador eleitoral da história da III República, anos e anos depois de retirado provoca tamanha e tão tremebunda onda de declarações, qual delas mais estúpida? Será que a estupidez é a mais importante característica do poder em vigor? Talvez. Olhem, por exemplo, o “pacote da habitação”: haverá maior prova?
A tremebunda excitação tem sido oceânica. Não há bicho-careta que não se erga, ou baixe, em condenações. Porquê? direi que por compração. Olham-se ao espelho, veem o que aconteceu, e não aguentam. Gente que não foi capaz de uma só reforma, de uma decisão com pés e cabeça, de um resultado positivo com alguma profundidade, de cumprir uma promessa, de dizer uma verdade consequente, gente que vive isolada em si própria com o único objectivo de conservar o poder, por podre que se revele, que engana sem escrúpulos, não aguenta que Cavaco lhes esfregue nas fuças os seus anos de governo.
Permitam-me duas franquezas. Nunca fui simpatizante da pessoa de Cavaco, nunca lhe achei graça, e até testemunhei não poucas atitudes suas pouco dignas da elogio. Mas testemunhei também que os dez anos de governo do homem foram os melhores, em termos de avanço social, da democracia portuguesa. É sabido que a democracia liberal não é garantia de riqueza ou de progresso social e económico. Mas também é verdade que o ideal será juntar as duas coisas. Cavaco fê-lo, e teve tempo para tal. O país de 1985, dez anos depois, tinha mudado de cara, tinha progredido, era outra coisa, bem melhor, e sustentável, como ora se diz. Não é preciso grandes estudos, nem números, nem opinões “abalizadas” para o provar. Via-se. Viu-se. Para o caso, é o que interessa.
A cáfila de hoje, carregada de dinheiro que mete num chinelo o que Cavaco foi buscar, o que fez foi empobrecer o país, dar cabo dos serviços sociais (sem excepção!), do funcionamento da administração pública, da esperança colectiva, tornou os portugueses apáticos, à espera de mais uma esmolinha. À semelhança do governo, diga-se.
Quando Cavaco, com todos os seus defeitos, apesar da sua antipatia socio-cultural, diz o que pensa, com todo o direito a fazê-lo, as hostes poderosas entram num frenesim cretino, condenam o que deviam elogiar, dedicam-se a anatemizam um passado que as envergonha, no fundo pondo a nu a sua própria e tão contraproducente inutilidade.
Os fiéis herdeiros de Sócrates, em vez de vergonha do seu passado recente, e indecente, dedicam-se a condenar outro passado, mais logínquo, mas decente. Juntam à estupidez a arrogância. Se a “má moeda” (é pena) era do Cavaco, esta, péssima, é do Costa.
17.9.23