MUDANÇAS E FICANÇAS
Nos negregados tempos da troica, e mesmo depois dela - estando no poder o Primeiro-ministro eleito -, se faltasse uma aspirina num hospital caía o Carmo e a Trindade, era o requiem pelo estado social, o fim do SNS, a prepotência do neoliberalismo, o diabo a quatro. Se faltasse um rolo de papel higiénico numa escola saíam à rua hordas indignadas a clamar que era o fim do ensino público, vítima do capitalismo de casino, era a submissão das escolas às multinacionais, era os ataques aos direitos humanos (existentes, “adquiridos” ou inventados ad hoc), havia manifestações, comícios, outra vez o diabo a quatro.
Enquanto o governo, peado pelas consequências da governação do PS, fazia das tripas coração para manter tudo em funcionamento (e o conseguia), a esquerda, por definição proprietária da verdade, dos bons costumes, da razão, da correcção, dos “valores”, da autoridade moral etecetera e tal, berrava as mais desbragadas aleivosias, vinha para a rua aos gritos, desestabilizava, ofendia, maltratava, ignorava.
O ambiente era de chumbo, alimentado pelos media que, na generalidade, sempre foram, e são, arautos da correcção esquerdista.
Hoje, tudo é diferente, mas há o que é igual. Temos, pela primeira vez na história da III República, um primeiro-ministro não eleito. Temos, também pela primeira vez, os radicais de esquerda (cuja influência é a mais evidente marca do nosso atraso político, social e cultural) no poder, temos a verdade substituída pela mentira e pela irresponsabilidade (olhem os incêndios, olhem o que se passa com a tropa, olhem as aldrabices do Centeno), temos a política substituída pela propaganda, e temos o milagre da domesticação da esquerda radical, à qual o outrora PS social-democrata, ora renegado, se submete, lambendo. Tudo diferente, como vêem.
Os media, esses, estão na mesma. O que for contra a moral da esquerda é fascista, xenófobo, racista, e mas o que lhes der na cabeça, como, quase sem excepção, se pegou numa intervenção sensata de Passos Coelho para o crucificar. Tudo igual.
De resto, o poder de esquerda em Portugal é o que sempre foi: mera oposição a quem à esquerda se não submete. Sendo a dona da razão, tudo o que não for ela, ou dela, é para insultar, seja lá como for e porque for. Se não for, inventa-se. Conceitos altamente democráticos, como é de ver.
Mal seria se não falássemos noutra diferença, desta vez positiva porque igual, passe a contradição: já não há, no galarim da Justiça, tipos como os amigos do chamado Sócrates. Tem-se visto que, onde não entra o governo do primeiro-ministro não eleito, as coisas ainda não foram revertidas. Está-se na página que Passos Coelho abriu. Até quando?
20.8.17