NOMENCLATURAS
O ilustre bastonário/sindicalista dos médicos, senhor Miguel Guimarães (não uso o Dr. por motivos óbvios, como se verá a seguir) revoltou-se, indignado, contra o facto de, em Portugal, qualquer licenciado ser tratado por Doutor. No seu douto parecer, já que não há remédio para os hábitos da Pátria, há que arranjar nova designação para os médicos.
Carradas de razão.
Quando eu tinha para aí dezoito anos, fui a Coimbra com uma malta da política. Foi o meu primeiro contacto com uns tipos da PIDE que me deram conselhos, se eu fosse a ti, rapaz, não me metia em bate-fundos. Não passaram daí nem me proporcionaram, mais tarde, o título aristocrático de anti-fascita com ficha. Na altura, deu-me para ir tomar um café ali para os lados da CP (Coimbra 2). Vai daí, o criado (que já não é criado, é empregado, funcionário ou, quem sabe, auxiliar operacional especializado em bicas) perguntou: o doutor deseja...? Olhei para todos os lados, a ver onde estava o doutor. Era eu! Fantástico. O engraxador (hoje será técnico especializado em aplicações pedológicas), solícito, perguntou: o doutor quer engaxar? Contentíssimo, bebi um café de saco, mas não quis a graxa, que custava cinco coroas.
Sinais dos tempos e dos costumes. Hoje, não faço ideia do que se passa em Coimbra, mas sei que, teoricamente, com licenciatura ou sem ela, tenho o direito inalienável a ser tratado por doutor, derivado ao bom aspecto, não a qualquer licenciatura. No barbeiro, também sou engenheiro e até arquitecto. Mas só até Badajoz. Uma chatice. Adiante.
Ainda jóvem, as voltas da vida levaram-me a ter umas reuniões com um espanhol muito importante. Era o “señor” Martinez. Estranhei que tão alto quadro não tivesse um títulozinho para animar as artes. Vim, depois, a saber que o “señor” Martinez era “engeniero de caminos” (civil, cá no sítio), arquitecto pela Complutense, tinha um MBA tirado em Harvard e era Ph.D. em várias especiosas especialidades. Coitado do “señor” Martinez, que mais não conseguia, a não ser um triste “Don Ramon”, e só por parte das secretárias e dos contínuos. Um horror, uma injustiça! O mesmo se passa, por exemplo, com a Senhora Merkel, ao que consta professora de Física ou coisa parecida na RDA. Veja-se o despautério.
É por estas e por outras que o impecável bastonário/sindicalista se revolta. Para ele, como acha que é na estranja, doutores são os médicos, e pronto. Os demais que vão bugiar. Mas, como ninguém vai bugiar para lhe fazer a vontade (as tradições são o que são), então decide que não quer ser tratado por doutor. “Gostava de uma designação nova”, diz ele. Uma coisa, acho eu, que distinga a classe em relação a todas as outras, muito mais abaixo. Muito bem.
O IRRITADO, modestamente, propõe várias alternativas. Por exemplo “Med”. Passávamos a tratar os médicos por senhor Med. No entanto, não faltaria quem transformasse o Med em Merd, como acontece com o Medina da Câmara. Outra hipótese, recorrendo a coisas mais clássicas, seria tratá-los por senhor Hipo, de Hipócrates. Mas confundia-se com hipopótamo, com hipócrita, com hipoteca, coisas algo chatas. Talvez recorrer a Esculápio, o que tem o inconveniente da terminação, rima com larápio e com marsápio. Também seria grave tratá-los por senhor Escu, por causa do cu. Poderiamos recorrer a fórmulas tradicionalmente pouco recomendáveis, como curandeiro, feiticeiro, bruxo, etc., sugestões que não me atrevo a, sequer, arrolar. Então, que fazer? Lembrei-do Panoramix. Senhor Pano seria apropriado, mas um tanto parvo. Senhor Amix? Não está mal, não se confunde com Obelix, mas parece uma marca de misturadoras.
Já fiz o que me compete para salvar a honra do senhor Guimarães. O conselho eventualmente mais adequado seria sugerir que deixasse de ser parvo. Mas isso, meus senhores, parece não ter remédio.
26.2.18