O DINHEIRO DOS OUTROS
Nos execráveis tempos da I República, houve uns tipos que resolveram ter uma ideia “solidária” (como se diz agora): congelar as rendas das casas e casinhas. A coisa, com diversas versões e "justificações", manteve-se na mesma durante mais de sessenta anos. Atravessou a II República e foi-se mantendo pela III fora.
Em que consistia a esta política? Em pôr os cidadãos a substituir o Estado, isto é, em pôr uns a financiar as casas e casinhas dos outros, em vez de ser o Estado, se assim o entendesse, a restaurar equilíbrios, por via fiscal ou outra, o que, como se pode entender, era da sua mais estrita responsabilidade.
Como é do conhecimento geral, a coisa teve efeitos desastrosos. O parque habitacional degradou-se, arruinado e exangue. O mercado de arrendamento conheceu as distorções mais absurdas e as mais diversas injustiças, para arrendatários e proprietários, para o próprio Estado, perdeu biliões em impostos. Os aforradores viram os seus investimentos desvalorizados e os seus rendimentos praticamente aniquilados. O vício da compra invadiu e arruinou milhões de famílias, sem outra solução que a de ficar amarradas ao adquirido, sem mobilidade, sem liberdade, sem outra perspectiva que não fosse a de ficar agarrado às prestações em vez de procurar rendimento. A liberdade de contratar foi substituída por uma teia de normas económica e financeiramente absurdas.
A certa altura do percurso houve quem, aos poucos, fosse pondo em causa as monumentais perversões que o regime continha. Até que… até que houve quem tivesse a coragem, ou a ousadia, de, com vastos limites, liberalizar os contratos, permitir a actualização de rendas e abrir caminho à cura de males quase centenários. Sem, mesmo assim, deixar de rodear o sistema de uma série de martingalas burocráticas. Enfim, o que fosse “social” parecia poder recuperar a sua natureza de incumbência do Estado que, através do aumento na cobrança de impostos, reuniria meios para atender a quem deles precisasse, até à normalização do mercado, o que, é sabido, levaria anos. Mas valia a pena.
Até que… veio a geringonça e o seu ruinoso radicalismo. O congelamento regressou por seis anos, pelo menos. Se a inflacção voltar, que se lixe. Se o euro se desvalorizar, que se lixe. Se o investimento encolher, que se lixe. Congela-se, e pronto, está feita a justiça dos estúpidos. A reabilitação urbana deixou de ter os evidentíssimos progressos que a liberalização provocou, passando a ser pasto de ínvias manobras, financiadas, imagine-se, pela Segurança Social (afinal, parece que a dita está a nadar em dinheiro!). Que se lixe a Segurança Social.
Quem alugar a casinha durante umas semanitas a uns camones e for aboletar em casa da prima, passa, não só a ser objecto da tirania e da burocracia fiscais, como a ter de “compensar” os seus “elevados” rendimentos, mediante a colocação de outras propriedades no regime de “renda social”. Se não as tiver, que se lixe. Se as tiver, lixa-se na mesma.
Quem herdar um pinhalzito lá para as berças, se o pinhal arder ou tiver caruma, fica sem ele: a propriedade passa para o município por obra e graça da geringonça.
Bem vistas as coisas, engano será ficar surpreendido com estas desgraças e com tantas outras. Tudo isto, e muito mais que já está feito e se fará até à nossa (do país) derrota final, tem a sua justificação. Não em critérios de justiça, de economia, de bom senso, de viabilidade e sustentabilidade, mas no único que conta: o cumprimento das normas da cartilha da geringonça. Cartilha que é só uma: a do socialismo radical, por muito injusto, por muito anti-económico, por muito inviável que seja.
O nosso problema é que as clientelas da geringonça são numerosas e, por enquanto, estão a ser “alimentadas”. Quando se acabar o dinheiro, verão como foram estúpidas. Nessa altura, muita gente que, ou não é cliente ou percebe o que passa, já estará também arruinada.
É clássico, está provado, que ninguém duvide: o socialismo acaba quando acaba o dinheiro dos outros.
31.8.16