O DISCURSO DO PODER
Com a pompa e circunstância que a efeméride merece, o indispensável senhor Costa decidiu comemorar o terceiro aniversário da sua amada geringonça. Para o efeito, reuniu um criteriosamente escolhido grupo de jornalistas, sendo a alguns permitido fazer-lhe umas perguntas numa bem organizada, anunciada e concorrida conferência de imprensa. Muito bem.
O IRRITADO tomou nota de algumas brilhantíssimas ideias de sua excelência.
Quanto à selecção dos jornalistas, declarou que 30% deles votaram no PSD, o que implica, ou que não foi respeitado o secretismo do voto de acada um, ou que quem quis inscrever-se teve de declarar em quem tinha votado, a fim de a organização poder garantir a presença de pelo menos 70% de fiéis.
Em relação ao desastre de Borba, felicíssima, a criatura declarou que “não há evidências de responsabilidade do Estado”, o que demonstra indesmentível coerência. É que, desde o advento da geringonça, o Estado (leia-se o governo) jamais foi responsável fosse pelo que fosse de menos agradável. Lapidarmente, acrescentou que os ministros não tinham nada que fazer no local do desastre, uma vez que só lá iriam “para atrapalhar”. Ele próprio deu o exemplo, embora, modestamente, não o tenha referido: foi ao futebol na nobre intenção de não atrapalhar ninguém.
“Um orçamento sem cativações é como andar sem travões”, diz ele. Ou como um jardim sem flores ou um cemitério sem campas, permito-me acrescentar. As cativações, leia-se os cortes, têm a vantagem de não dar lugar a orçamentos rectificativos, terrível vício do anterior governo. São opacas e não caem no escrutínio público.
Nesta ordem de ideias, o orador sublinhou que “não há um único português que não saiba que este governo foi amigo da administração pública”. Uma verdade incontornável, parabéns pela excepção. Não há um único português que não saiba até que ponto os serviços do Estado (saúde, educação, transportes, etc.) e os credores privados foram sacrificados à “amizade”, dir-se-ia paixão, do chamado governo pelo mar de eleitores que integra a administração pública.
O CEO da geringonça ”desvalorizou” a unanumidade de opiniões que expressaram “dúvidas sobre a solidez das contas”. O seu CFO, senhor Centeno, já tinha posto tais opiniões no seu lugar: são emitidas por ignorantes, falsários, gente ordinária cuja opinião se põe de lado. “tudo o que previmos foi confirmado pelos resultados”. O pior é que se sabe à custa de quê: os doentes e os fornecedores, por exemplo, que o digam.
Indo às origens, como é próprio de um discurso de aniversário, o espantoso Costa esclarece que a Geringonça foi “possível construir com o voto dos portugueses”. Neste particular, o homem excede-se. Nenhum português nela votou, e o “candidato a primeiro-ministro” do PS perdeu as eleições, vergonhosamente e de forma clara: a geringonça é filha dos corredores, não dos votos.
Numa coisa o homem, à rasca, tem razão: a cedência do PSD/Rio às estapafúrdias exigências dos professores, oportunistas vitimados pelas aldraboides promessas do PS, é de uma irresponsabilidade a toda a prova.
Muito mais disse a criatura. O IRRITADO é que não teve paciência para continuar a sentir o homem a meter-lhe os dedos pelos olhos dentro.
Fica, para desespero de quem ainda gosta do país que o viu nascer, uma última citação da criatura: “A geringonça é boa solução que deve continuar”.
24.11.18